ADRIANO MARTINS COSTA / DA EQUIPE DE O ESTADO
21/05/2016
Brazilizia Rosa da Conceição ou dona Bazica é uma grande contadora de histórias; sua vida se confunde com a trajetória do Boi da Pindoba, uma de suas grandes paixões
Aos 112 anos de idade, Brazilizia Rosa da Conceição é uma caixa de memórias que remonta à sua infância e perpassa grande parte dos eventos que marcaram o séculos XX na sua comunidade, a Pindoba. Conhecida como “Bazica da Pindoba”, ela só não é uma das fundadoras do bumba meu boi que leva o nome da localidade porque ele nasceu um pouco antes, em 1885, mas pode-se dizer que ela cresceu junto com a brincadeira, e foi moldada por ela.
No papel, dona Bazica tem ‘apenas’ 107 anos, mas, como explica, quando ela nasceu as pessoas não tinham muita facilidade para conseguir os registros de seus filhos, tanto que seu pai tirou o documento quando ela tinha apenas 5 anos de idade e marcou a data de nascimento para aquele mesmo ano.
Ela nasceu aqui mesmo, na Ilha de Upaon Açu. Numa tapera no Porto de Mocajituba. Se mudou com a família ainda cedo para o terreno onde mora atualmente e na época era tudo só mato, segundo conta. “Hoje você vê, está tudo bonito. Mas antigamente, daqui até lá na frente, era só uma trilha no meio do mato”, recorda, ressaltando que seu pai ia fazendo as picadas e derrubando as árvores para depois fazer roçados de milho e mandioca.
A roça, a propósito, foi a vida de dona Bazica. No campo ela aprendeu um ofício, ajudou seus pais, teve seus sete filhos – todos de forma natural dentro de casa e sem parteira – e os criou. Tanto é que ela admite que muito da sua força e vigor vem do tempo que ela passou lavrando. Força que lhe permitiu ver até seus tetranetos.
Caixa de histórias
Sentar ao lado de dona Bazica e pedir para ela contar a história de sua vida é fazer uma viagem no tempo. Lúcida e nitidamente, ela lembra de coisas que ocorreram nas duas grandes guerras mundiais como se tivessem ocorrido ontem. Ela conta, por exemplo, que na época da segunda grande guerra os jovens que estavam em idade de alistamento militar se escondiam dentro dos matagais, existentes aos montes na região, para escapar de serem enviados às fileiras do campo de batalha. Até mesmo um tio seu se vestia de mulher para ir à cidade sem ser reconhecido pelo Exército. E quando do fim do embate? Dona Bazica diz que a festa durou a noite inteira.
Relação com o Boi
A essa altura da vida, dona Bazica não tem mais a disposição que tinha antes para ir atrás do Boi da Pindoba. Mas ainda assim aparece em algumas ocasiões especiais, como batizado ou morte. Mas, até perto dos 100 anos ela era figurinha carimbada em todas as celebrações da brincadeira.
O Boi da Pindoba nasceu lá no idos de 1885, segundo contam alguns. Mas até a década de 1970 suas apresentações eram esporádicas, nada muito rigoroso. Dona Bazica e outras mulheres participavam como apoio e levavam as cachaças dos brincantes. Assim, ela sempre acompanhava a brincadeira.
Em 1977, o boi passou a fazer apresentações todos os anos, e assim persiste até hoje.Então com mais de 70 anos, a idosa diz que mesmo assim não desvaneceu e seguiu com sua lida. “A brincadeira do boi é a mais bonita que existe em todo o mundo. Não tem boi como esse”, afirma ela, referindo-se ao Pindoba.
Saúde
Chegar aos 112 anos não é para qualquer um. E mesmo dona Bazica sofre com o tempo. Sua vista já está prejudicada, por conta de uma catarata que ela teve aos 108 anos. Seu estômago já não aguenta um pirão de farinha com caldo de peixe, como ela costumava comer, e sua pressão de vez em quando dá uns picos, mas é estável, na casa dos 12 por 8. Mas na última visita que fez ao médico começou a perceber que perdia a visão, há três anos. Nem mesmo a vacina da gripe, obrigatória para sua idade, ela não toma. Diz que não gosta de ir a hospital. Mesmo assim, segue tranquila, comendo muito peixe, carne, arroz, e sentada em sua cadeira esperando alguém para ouvir suas histórias.
Mais
Em uma vasilha de margarina dona Bazica guarda uma fortuna em moedas antigas, pelo menos para a época. Algumas ainda são do Brasil Império, outras já da República. Réis, cruzados, cruzeiros. “Naquela época a gente ia com uma moeda no comércio e comprava carne, arroz, feijão e ainda voltava troco”, conta.
“A brincadeira do boi é a mais bonita que existe em todo o mundo. Não tem boi como esse”