10/10/2024
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Agora quem dá bola é a Maria Chuteira

Agora quem dá bola é a Maria Chuteira

(Da série Amores Clandestinos I)

Nesta semana do massacre romântico, verdadeiro ou falso, resolvemos homenagear algumas criaturas que ficam sempre à margem da data dos pombinhos, a totalitária efeméride do próximo domingo.

Com vocês, palmas, a Maria Chuteira, aquela persona execrada no mundo do futebol. Louvemos. Ela merece, ela suporta, fiel e resignada, o banco de reservas, ela não nasceu para matriz, amar demais passou a ser o seu defeito, mesmo sendo apenas a filial.
Mais importante do que qualquer camisa 12, ela não treina, ela não joga, mas é ela que salva as concentrações, os Carandirus ludopédicos, do tédio e da miséria humana, reanimando o boleiro para o clássico. É ela quem diz xô má fase, xô uruca, é na Maria Chuteira que estão os poderes.

A Maria Chuteira está para o atacante em jejum como São Pedro, padroeiro dos pescadores, está para os velhos Santiagos que não vêem há tempos um grande peixe na rede. A Maria Chuteira é a Iemanjá dos gramados.

Ninguém beija aliança ou faz o coraçãozinho na mão para oferecer o gol à nobre moça dos amores clandestinos e subterrâneos. Nem quando nasce o seu filho por fora, o atacante faz o gesto inventado pelo Bebeto na Copa de 94 -o nana-neném para as câmeras é exclusivo da família oficial e legítima.

Pobre moça dos afetos paralelos, és a Maria Madalena do mundo da bola. Meu glorioso Santo Antonio, na véspera da sua data e no Dia dos Namorados, protegei a Maria Chuteira, ela também é filha de Deus.

Tudo bem, os moralistas a julgam oportunista, perdoai, eles não sabem o que dizem. Não sabem o peso de ser a outra permanentemente. Porque boleiro é mais moralista ainda, separa mulher para casar de mulher para o recreativo. Treino é treino, jogo é jogo, vale a máxima do Didi, hoje e sempre.

De todas as Marias que vão com os profissionais de quaisquer área, a Maria Chuteira, amigo, é a mais perseguida e folclorizada. Nem a Maria Gasolina sofre tanto nesse congestionamento na encruzilhada pseudo-moral da existência. A Maria Coxia (teatro), a Maria Edital (cinema), a Maria Balão (HQ), a Maria Ervas Finas (chéf de cozinha) usufruem na boa e sem preconceitos da admiração pelos seus artistas.

A Maria Teclado, nem se fala, ama os escribas e ainda ganha o status de musa. Repare que moleza. A groupie de astro de rock ou de qualquer garoto de banda, nossa, no problem, amor livre sem os beques morais da sociedade.

Maria Chuteira não, pobre moça, essa pena, acorda cedo para ir ao CT, acompanha a chatice dos treinos táticos, agüenta os professores Pardais e os seus 3-3-4, seus 3-5-2 noves fora nada, espera os cobradores de falta baterem bola contra barreiras imaginárias…
Sim, Maria Chuteira, uma heroína. E imagine, amigo, agüentar o 171 de boleiro nas oiças? Se um homem normal já mente à beça, imagine um “migué” ludopédico no juízo. Sorte que é tudo menino… Quando o cara acha que está entrando com bola e tudo, ela já está fazendo o teste de DNA na esquina.

Escrito por Xico Sá às 11h17

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