23/01/2025

Alcântara faz 374 Anos – Patrimônio brasileiro ameaçado

Por Cláudio Farias – Documentarista e Coordenador do COMTUR/ALC 

A cidade histórica de Alcântara festeja 374 aniversários nesta quinta, dia 22 de dezembro. Deveria também comemorar os 74 anos de Patrimônio Nacional. Deveria. Mas, hoje, a cidade corre o sério risco de perder o título de monumento brasileiro por completa ausência de políticas públicas de Cultura e Turismo, ironicamente, gestadas  na ignorância da mesma secretaria.

Alcântara, a mais bela cidade do litoral norte maranhense possui um rico e diverso acervo de patrimônios materiais e imateriais tratados com solene desprezo e monumental incompetência. O Conselho Municipal de Turismo (COMTUR) há dois anos tenta criar um espaço de diálogo republicano unindo o poder público, o trade turístico e a sociedade civil. A proposta enfrenta permanentes resistências: por exigir compromissos profissionais, por querer debater o Plano Estratégico Municipal de Turismo empurrado goela abaixo pelo penúltimo prefeito eleito; por apontar a construção coletiva do desenvolvimento humano, sociocultural, turístico e econômico do município e reconhecer os patrimônios culturais como importantes pilares da formação indentitária do povo alcantarense.

Prepondera o turismo do emprego público descompromissado ao liberar o não trabalho como meta para as mentes cansadas, sem afinidades e desconexas com o setor. E nesse jeitinho político, as ruínas com referências históricas, sem limpeza sistemática e sem sinalização turística, são tomadas pelo matagal; os prédios privados e dos governos municipal, estadual e federal desabam ou são recuperados e fechados sem uso ou postos em negócios sem nenhuma transparência. Nessa lista de irresponsabilidades aparece o IPHAN, a UFMA, o IFMA, a prefeitura, Academia Maranhense de Letras, além de cidadãos europeus.

Na gestão inábil da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, os problemas triviais do dia a dia afetam transporte marítimo precário, a limpeza do corredor turístico, recepção profissional pela falta de um Centro de Atendimento ao Turista – CAT. De igual modo, não existe um instrumento cultural popular que ative a participação da juventude – como a Casa de Cultura, do Estado, que foi reformada, fechada e sem uso. Mais um instrumentos púbico tratado como se fosse um bem particular.

Sem o mínimo contato com a área, até Diretora de Cinema inventaram para justificar o cineteatro fechado por anos. Aliás, a marca da Secretaria de Cultura e Turismo é a inexperiência e dissimulação profissional. A reforma do antigo matadouro realizada pelo IPHAN foi entregue (sem banheiros) com mais de 40 cadeiras, projetor, telão, sistema de sonorização e uma grande ‘caixa’ de filmes nacionais. Sumiu tudo. E ninguém cobra para depois não ser cobrado pela mesma traquinagem do gênero. A reciprocidade na troca de descasos intra e interinstitucional é um modo descarado de anular as responsabilidades com as coisas públicas.

Festejo de São Benedito

Os resquícios da violenta colonização europeia feita do turismo de pilhagem contamina a história alcantarense até hoje. O secular Festejo de São Benedito de Alcântara foi construído a partir da resistência histórica do povo preto alcantarense contra o racismo histórico e sistêmico. A pauta desumana da escravidão recebia, também, as bênçãos da Igreja permitindo só a entrada de pessoas branca$ na Igreja do Carmo. Proibidos, por serem pretos, os escravizados formaram a Irmandade da Nossa Senhora do Rosário dos Pretos e construíram um templo simples, edificado no século XVIII, entre 1781 e 1803. Também conhecido como Igreja do Galo.

Sistêmico e estrutural, ainda hoje os sintomas da escravidão são latentes. Um grupo que tenta revitalizar o Festejo de São Benedito e o Tambor de Crioula de Alcântara foi proibido, recentemente, pelo padre gerente/responsável pela Paróquia de Alcântara de reunir na Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos. Fechada quase sempre, nem aos turistas atende. A Igreja operadora das causas sociais e preocupada com os mais vulneráveis só existiu quando também foi ameaçada pela ditadura. Assim, as dores e o sangue do povo preto ainda gritam nos casarios, solares, sobrados, igrejas católicas e ruínas que tanto encantam os turistas regionais, nacionais e internacionais.

Encontro de Tambor de Crioula

Depois de mais de seis (6) anos sem eleições e com um rombo financeiro inexplicável, a Associação de São Benedito de Alcântara – ASBA – elegeu no primeiro sábado deste mês a advogada Alda Silva Pinheiro, liderando um grupo de devotos, amigos, e simpatizantes do Festejo. Os desmando financeiros foram sanados antes mesmo da Assembleia com a aplicação de um Livro de Ouro.

A Advogada formou uma Comissão para revisar o Estatuto, dando novos desenhos de gestão democrática e de governança transparente, excluindo a figura do presidente e instituindo uma Coordenação Geral com Grupos de Trabalho – GTs, assumindo uma tradição de família e a herança de cuidar da cultura, como cuidou o pai Liene e ainda hoje a mãe, Dona Maria (‘de Liene’).

No esboço de planejamento a ser construído pelos GTs, constam as propostas de revitalização do Festejo de São Benedito de Alcântara (na lua cheia de agosto – de sexta a segunda), reatualizar tradições, realizar Encontro Municipal do Tambor de Crioula e aquisição da sede própria, enquanto tenta iniciar parceria com o atual governo estadual para manter a permanência provisória no endereço da Casa de Cultura – no número 452 da Rua das Mercês – reformada e entregue às traças. Usada apenas na Festa do Divino, quando serve por menos de dois meses ao Mordomo Régio.

Por ter um currículo histórico e patrimonial extenso e múltiplo, Alcântara carrega na bagagem títulos de fazer inveja à maioria das 217 cidades do Maranhão, excetuando a capital. Por decretos empurrados de cima pra baixo, sem a mínima consulta popular, consta como Cidade Patrimônio Nacional, (desde 1948); Cidade a Céu Aberto (de 2021, do próximo ministro da Justiça, Flávio Dino) e Município de Interesse Turístico (do deputado estadual Arnaldo Melo, de 2022). Do jeito que é feito, o alcantarense reconhece apenas problemas a ser enfrentado no embate contra o IPHAN.

Alcântara mesmo com todos os atropelos, continua o melhor lugar de paz do mundo pra viver. Aos 374 anos, Alcântara merece milhares de velas. Uma data para refletir sobre a luz do amor verdadeiro à terra natal, que alguns proclamam ter, sem explicar ser lá no fundo… no fundo do bolso (alheio).

Publicado no JP TURISMO. 23/12/2022