12/12/2024

Assassinatos de negros crescem 11,5% na década; mortes de não negros caem 12,9% no período

Dado foi revelado nesta quinta-feira pelo Atlas da Violência, estudo do Ipea e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. ‘É como se estivéssemos falando de países diferentes’, diz diretora

Os assassinatos de negros no Brasil cresceram ao longo da última década, período em que os homicídios contra não negros registraram queda. O dado foi revelado nesta quinta-feira, 27, pelo Atlas da Violência, estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A taxa de mortes de negros cresceu 11,5%, chegando a 37,8 por 100 mil habitantes, e a de não negros caiu 12,9%, com uma taxa de 13,9.

A análise usa dados computados pelo Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde em todos os Estados para entender o perfil das vítimas das mortes violentas no País. Em 2008, 32,7 mil negros foram assassinados no Brasil. A classificação de negros considera pretos e pardos, seguindo definição do IBGE. O número cresceu continuamente até 2017 e apresentou queda em 2018, ano mais recente avaliado. Apesar dessa redução, o número de vítimas de 2018 (43,8 mil mortes de negros) é 34% maior na comparação com o dado de 2008.

Tendência inversa é notada entre os dados relativos a não negros, grupo que abrange brancos, amarelos e indígenas. Em 2008, foram registrados 15 mil assassinatos contra essas pessoas. O número permaneceu estável ao longo dos anos seguintes e sofreu queda em 2018, quando aconteceram 12,7 mil homicídios. A redução notada no período foi de 15,4%.

“As políticas têm sido minimamente capazes de proteger a vida de não negros, mas a disparidade é tamanha com os dados de vítimas negras que é como se estivéssemos falando de países diferentes”, disse a diretora executiva do Fórum, Samira Bueno.

Samira lembrou que, enquanto ainda há um esforço para que o tema adquira protagonismo no Brasil, o assunto tem mobilizado grandes manifestações nos Estados Unidos. A morte de George Floyd por policiais em maio desencadeou protestos em dezenas de cidades americanas. Agora, o país assiste a um novo episódio violento, com o caso envolvendo Jacob Blake, que levou atletas a boicotarem atividades nesta semana em reação ao caso.

O dado brasileiro mostra que a cada não negro morto em 2018, 2,7 negros foram mortos. Os especialistas veem um aprofundamento das disparidades raciais que aumentam o risco de assassinato contra pessoas negras no Brasil. Com exceção dos números do Paraná, em todos os outros Estados a taxa de homicídios confirmou essa disparidade. Em Alagoas, por exemplo, a cada não negro assassinado, 17 pessoas negras foram mortas.

“Nós somos produto de um processo histórico de escravidão e racismo estrutural. Então, a violência e o racismo são duas palavras que caracterizam bastante as relações sociais neste País. Em função da trajetória histórica de racismo, e as consequências econômicas e educacionais, o negro é muito mais vulnerável a sofrer violência. Existem ainda os efeitos diretos, o racismo que mata. A ideia do ‘negro perigoso’ muitas vezes existe nas polícias e implica no uso da força diferenciado entre negros e não negros. Temos muito a caminhar nessa estrada para entrar num processo civilizatório mínimo”, disse Daniel Cerqueira, economista do Ipea que coordena o Atlas.

A maior taxa de homicídios de negros no Brasil em 2018 foi computada em Roraima, com 87,5 por 100 mil habitantes, seguido por Rio Grande do Norte (71,6) e Ceará (69,5). A maior variação na década aconteceu no Acre, onde os assassinatos cresceram 300%, seguido por Roraima (264,1%) e Ceará (187,5%).

A tendência mais recente mostra redução dos casos. Os números só não caíram em quatro Estados entre 2017 e 2018 (Roraima, Tocantins, Amapá e Rio de Janeiro). A menor taxa de homicídios de negros no Brasil em 2018 foi registrada em São Paulo (9,8 por 100 mil habitantes). O Estado também computa a menor taxa de mortes entre não negros: 6,9.

Padrão se repete nos homicídios contra mulheres

O padrão de violenta mais acentuada contra negros é notado também nos registros de morte de mulheres. A taxa de homicídios contra mulheres não negras caiu de 3,2 por 100 mil habitantes em 2008 para 2,8 em 2018 (-11,7%). Já entre as mulheres negras, a taxa passou de 4,6 em 2008 para 5,2, alta de 12,4%.

Em 2018, 68% das mulheres assassinadas no País eram negras. “A diferença fica ainda mais explícita em estados como Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba, onde as taxas de homicídios de mulheres negras foram quase quatro vezes maiores do que aquelas de mulheres não negras. Em Alagoas, estado com a maior diferença entre negras e não negras, os homicídios foram quase sete vezes maiores entre as mulheres negras”, detalham os pesquisadores do Atlas.

“A raça é um critério extremamente importante para entender os processos de vulnerabilidade no Brasil relacionados à falta de acesso aos serviços e às políticas públicas. A mulher, então, sofre uma tripla vulnerabilização de gênero, raça e classe social que a expõe aos riscos que a nossa sociedade apresenta”, disse a pesquisadora do Fórum Amanda Pimentel.

 

 

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