LITERATURA – Boizinho diferente
Jornalista maranhense Diego Freire lançará, na Bienal do Livro de São Paulo, “Bumba nosso boi”, uma publicação com ilustrações de Rogério Maroja que fala sobre diferenças
A história do funcionário da fazenda que “rouba” a língua do boi para satisfazer um desejo da esposa grávida é o pano de fundo para o auto do bumba meu boi, folguedo celebrado em diversas partes do Brasil mas que no Maranhão ganha coloridos e contornos peculiares. É partindo desta história, contada e cantada especialmente no mês de junho nos arraiais de muitas cidades brasileiras, que o jornalista maranhense Diego Freire escreveu o livro “Bumba nosso boi”, que será lançado no dia 4 de setembro, pela editora Empíreo, na Bienal Internacional do Livro de São Paulo.
O trabalho tem ilustrações, em aquarela, de Rogério Maroja e foi escrito em versos. Radicado em São Paulo há alguns anos, Diego Freire aproveita-se da lenda de Pai Francisco e Mãe Catirina para contar uma história que fala sobre diferenças. “O boizinho que teve sua língua devorada por Catirina, foi discriminado por ‘falar’ diferente e superou o preconceito com a ajuda de amigos muito especiais”, adianta o escritor, logo na sinopse da obra.
O livro nasceu de uma dúvida cultivada pelo autor desde a infância. Ele sempre quis saber o que aconteceu ao novilho depois de ter sido ressuscitado pelos índios que trouxeram o bicho à vida, mas não devolveram sua língua (que foi comida por Catirina). “Sem língua, o que seria do boizinho, que não podia mugir e um boi que não muge é um boi sem identidade…”, reflete Diego Freire.
Desta inquietação, surgiu a história que inventara para os dias que se sucederam à festa em comemoração à volta do boizinho preferido do fazendeiro, quando ele passa a enfrentar a discriminação dos outros bichos da fazenda, por não ter mais língua.
Foi neste contexto que o novilho encontrou amparo em outras criaturas que povoam o imaginário brasileiro como saci, a mula sem cabeça, e o boitatá. Assim, cada um com suas limitações, eles mostram que é possível que bichos e gente lidem bem com as diferenças uns dos outros. Na entrevista abaixo, Diego Freire fala sobre este e outros assuntos.
– Como nasceu a ideia de juntar cultura popular para falar sobre diferenças?
De uma inquietação antiga minha, de quando eu era criança e me perguntava o que teria acontecido ao boizinho depois que Catirina comeu sua língua. O auto do bumba meu boi conta que os índios o salvaram da morte, mas nenhuma versão da história diz que sua língua crescera de volta. Catirina comeu e pronto, o boi ficou sem língua. Eu colocava a minha no céu da boca e tentava falar sem mexê-la, ficava pronunciando algumas palavras segurando a língua pra checar se ela faz falta. Tenho certeza de que alguns leitores vão fazer o mesmo quando lerem isso (risos). Bom, cresci com essa pulga atrás da orelha. Uma escritora norte-americana, Toni Morrison, diz que ‘se há um livro que você quer ler, mas não foi escrito ainda, então você deve escrevê-lo’. Foi assim que resolvi contar essa história.
– Porque você escolheu escrever em versos?
Não foi uma decisão imediata, muito menos fácil. Eu nunca havia escrito em versos – no jornalismo não há muito espaço pra isso. Mas, enquanto eu escrevia a história em prosa mesmo, fui sentindo que as frases tinham um ritmo. Experimentei separá-las em linhas, como se fosse uma canção, e o texto foi fluindo com mais facilidade. Acho que era alguma toada de boi aprisionada no meu imaginário. Essas coisas ficam na gente.
– O livro tem a indicação de ser destinado ao público infantil…
Não sei dizer ao certo a que público ele se destina. O livro tem uma atmosfera infantil, foi escrito numa linguagem simples, boa para crianças, e é todo ilustrado, colorido; mas não acho que a literatura possa ser categorizada assim, pelo público ao qual ela supostamente se destina. Claro, para o mercado é um livro infantil, o público-alvo é a criança. Mas prefiro pensar que é uma história sobre a infância. Na infância até quem não é criança pode estar de vez em quando. A infância é um estado.
– Fale sobre a parceria com Rogerio Maroja.
Rogério é um artista incrível e muito versátil. Quando o conheci ele trabalhava como designer na Editora Abril, no visual de revistas como Superinteressante, Recreio, Placar… Mas o melhor estava nos caderninhos que ele carregava, cheio de ilustrações de histórias nunca contadas, situações observadas nas ruas, nas praças, num café. Ele estava fazendo um curso de literatura infanto-juvenil, desejando tirar do papel algumas ideias, quando leu a história do boizinho e curtiu. Não precisei explicar muita coisa, de repente ele trouxe uma aquarela com o boi pronto, colorido, bonito como os dos nossos arraiais. Meu maior medo era que ele me aparecesse com um Garantido ou um Caprichoso (risos), mas o cara é tão sensível que universalizou a ideia. A história passou a ser de nós dois e a gente trabalhou bastante juntos pra que, em breve, ela seja de quem mais quiser.
– Como foi o casamento entre o texto e as ilustrações? Fale desse processo criativo, foi colaborativo ou cada um fez o seu?
Eu tive o privilégio de contar com a parceria de um ilustrador que é, também, um artista. É muito diferente de quando as imagens apenas acompanham as palavras e estão a serviço delas. O que Rogério fez foi contar a história junto comigo. Ele conseguiu resumir duas, três, quatro estrofes numa pintura só, como faz com as cenas que retrata em seus caderninhos. Ninguém para à mesa onde ele está ‘rabiscando’ e conta sua história pra que ele a retrate de forma fidedigna. Acho que ele olha para a cena e imagina tudo o que não está sendo dito ali – e diz no desenho, talvez melhor do que seria dito pelos personagens reais. Gullar diz que a arte existe porque a vida não basta. Às vezes a própria arte não é suficiente, e onde meu poema não foi, Rogério inventou uma poesia nova com a aquarela.
– E sobre o lançamento, o que podes adiantar?
Nós assinamos contrato com uma editora de São Paulo, a Empíreo, que estará na Bienal Internacional do Livro e vai levar nosso boizinho junto, para lançar a obra no evento. Estamos muito contentes com a possibilidade de estrearmos na Bienal, é um dos maiores eventos do mercado editorial brasileiro.
– Teremos lançamento em São Luís?
Fizemos um acordo com a editora para que pudéssemos levar o livro também para São Luís, onde tudo começou. É um esforço nosso e, pra isso, vai ser preciso realizar uma pré-venda pela internet, para garantirmos a tiragem. Mas estamos confiantes e em setembro, talvez no aniversário da cidade, devemos desembarcar na ilha com nosso pequeno “batalhão”.
– O boi é um personagem muito forte na cultura popular do Maranhão e está presente também em outras regiões do Brasil, mas aqui tem contornos únicos. Você teve dificuldade em se apropriar desta cultura? Como foi processo de recorte do folguedo? Esse recorte é o do Maranhão?
A história veio, primeiro, com as roupas, os sons, as cores, os sotaques do Maranhão, onde a festa é mais forte, mas, aos poucos, fomos tomando o cuidado de universalizar o texto. O auto do bumba meu boi é o folguedo mais plural do folclore brasileiro, com personagens que representam todas as etnias das quais se originou nosso povo e festejado em todas as regiões do país, ainda que com nomes e características diferentes. É uma história rica demais pra ficar restrita a um estado. Toda riqueza precisa ser compartilhada e nós buscamos fazer isso, de alguma forma, com o livro. Sem dar ‘spoiler’, uma parte da história conta, inclusive, os nomes do boi em diferentes regiões do país. É um bumba nosso boi.
Serviço
O quê
Livro Bumba nosso boi, de Diego Freire com ilustrações de Rogério Maroja
Editora
Empíreo
Pré-venda
http://www.bumbanossoboi.com.br/