Morreu nesta segunda-feira, aos 91 anos, em Leeds, na Inglaterra, um dos intelectuais mais pop da atualidade, considerado o “profeta da pós-modernidade”.
Espécie de grife da sociologia, o polonês Zygmunt Bauman se consolidou como um dos mais influentes pensadores da virada do século 20 para o 21 a partir da criação da metáfora da “liquidez”, que aplicou à sociedade, ao tempo, à vida, ao medo e até à arte do mundo pós-industrial.
Desde os anos 1960, segundo ele, a aceleração das mudanças tecnológicas e sociais aprofundou a mobilidade e a individualidade, alterando a noção de identidade e as relações econômicas, políticas, afetivas e profissionais, marcadas desde então por uma crescente fluidez.
Nestas sociedades “líquidas”, em que a ausência do sentido de solidez e estabilidade é agravada pela globalização, pela internet e pelo consumismo, por um lado o ser humano se tornou mais autônomo, mas, por outro, defendia Bauman, ele passou a conviver com incertezas e ansiedade.
A pressão por mudanças constantes, dizia ele, favoreceria uma cultura do esquecimento -raiz da atual ideia de pós-verdade-, promovida também pela capacidade de armazenamento das tecnologias digitais, que desobrigariam os indivíduos a cultivar qualquer tipo de memória. As consequências, alertava o sociólogo, são morais e envolvem a fragilidade e impotência do homem, a sensação de desconhecimento e o status provisório das soluções de problemas.
De escrita acessível, Bauman almejava o público leigo, o homem comum que “lutava para ser humano”, dizia. Assim, seus livros baseados no conceito de “modernidade líquida” se popularizaram, ampliando para além dos muros da academia o alcance de um tema complexo como a pós-modernidade.
Judeu nascido em uma família não-praticante na Polônia em 1925, Baumann fugiu para a Rússia durante a invasão nazista e se alistou no Exército Vermelho, tendo lutado batalhas em Kolberg e Berlim.
Apesar de ter vivido os horrores da guerra, o exílio o salvou de sofrimento maior: os guetos, os campos de concentração e o Holocausto. Foi por meio do livro de memórias de sua mulher, Janina, que viveu num gueto de Varsóvia, que Bauman vislumbrou o sofrimento de seus iguais.
Quatro anos depois da publicação de “Inverno na Manhã”, de Janina Bauman, o sociólogo lançou sua análise original sobre o nazismo em “Modernidade e o Holocausto”, que causou grande controvérsia ao ser interpretado como um subterfúgio para a Alemanha.
Na obra, Bauman defendia que o Holocausto só havia sido possível graças à tecnologia e à burocracia típicas da modernidade, cujas ideias de racionalidade e produtividade distanciariam o homem das consequências menos imediatas de seus atos, criando condições para que a responsabilidade moral desaparecesse.
Foi a partir desta análise que ele se debruçou sobre as questões éticas que ocupariam suas reflexões nos anos 1990: como pessoas consideradas membros exemplares de suas sociedades são capazes de participar em monstruosidades? Por outro lado, Bauman acreditava que aqueles que voluntariamente se arriscaram para salvar vítimas do nazismo eram igualmente desafiadores para a sociologia.
Terminada a Segunda Guerra, Bauman retornou à Polônia como um oficial do Exército Vermelho e atuou em unidades militares de inteligência, tendo sido um entusiasta afiliado do Partido Comunista polonês.
Ele estudou sociologia e filosofia em Varsóvia, onde se tornou professor na universidade. Ao tornar-se progressivamente crítico do regime socialista soviético, Baumann e sua família foram obrigados a fugir da Polônia durante uma perseguição antissemita promovida pelo governo comunista em 1968 e imigrar para Israel junto a outros intelectuais judeus.
O casal não se adaptou à vida em Tel Aviv, como explicou Janina em uma entrevista: “[Israel] era um país nacionalista e nós estávamos fugindo do nacionalismo. Não queríamos passar de vítimas de um nacionalismo para nos tornarmos autores de outro”.
Três anos depois, em 1971, Bauman se mudou para Leeds, onde lecionou por mais de 40 anos.
Eclético, escreveu sobre temas tão diversos como nazismo, modernidade, globalização e programas de reality-show, e publicou mais de 70 livros, mais de um por ano, em média, desde que se aposentou da universidade em 1990.
Ele deixa a mulher, Janina Lewinson-Bauman, que conheceu logo após a Segunda Guerra, e três filhas.