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Muricy: ‘O correto é um trouxa no Brasil’
Técnico faz um balanço geral do futebol, fala da recusa ao convite da Seleção e o que esperar do Fluminense nos próximos anos
Muricy Ramalho chegou ao Rio de Janeiro para assumir o Fluminense com a fama de ranzinza. – Pô, não me conhece e fala um negócio desse? Quem diz isso é louco – defendeu-se. No entanto, o próprio garante que seu rótulo é outro: trabalhador.
Em entrevista exclusiva ao LANCENET!, ele revelou detalhes do que planeja para o Tricolor nos próximos anos. Em meio aos planos, um desabafo sobre a decepção com o caráter do meio futebolístico e a superação do fato de, por apenas algumas horas, ter sido o comandante da Seleção.
Daniel Leal : Apesar de falar em projeto de longo prazo, o clube investiu em jogadores que terão poucos anos de carreira pela frente, como Washington, Belletti e Deco. Não é uma contradição? Muricy Ramalho : São jogadores que podem jogar nos dois anos de contrato que fiz. Estou pensando nesse período que vou ficar aqui. Mas também não temos intenção de trazer apenas jogadores com experiência, estamos tentando melhorar o grupo com jogadores mais jovens porque é o futuro do Fluminense. Estamos dando atenção à base, trazendo quase toda semana um time da base para que eu conheça.
Muricy explica sua forma de comandar ao L! Entrevista
Bruno Braz : Quando você chegou ao Inter e ao São Paulo, encontrou uma estrutura pronta. Aqui no Flu, ela não é a ideal. Por conta disso, é o maior desafio de sua carreira? M.R: Com certeza. Nos outros clubes em que tive a felicidade de ter sucesso, a estrutura adiantava muito o nosso caminho. No Inter e no São Paulo, você chega lá de manhã e não se preocupa com nada. Isso é o correto com o treinador. Aqui, é mais difícil mesmo. Percebemos que os jogadores estão com muita boa vontade. E, claro, a experiência que eu tenho e o tempo de carreira ajudam os jogadores a confiarem em mim. Estamos tentando melhorar o lugar e a estrutura, por isso eles têm um pouco mais de paciência. É meu maior desafio pelo que exijo dos jogadores. Em clube grande que tem boa estrutura e paga em dia, o treinador tem de ser um cobrador, não um motivador. Tem de ser um cobrador de objetivo, entendeu? Isso eu faço bem, cobro bem. Mas cobrar aqui no Fluminense está sendo diferente porque estamos tentando passar para os jogadores que estão todos aqui tentando melhorar. Então, eles estão entendendo isso. Nós vamos melhorar, os projetos estão andando. Mas esse é meu maior desafio mesmo. Leo Burlá : Você deixar um legado ao Flu e perceber que agregou muito ao clube seria mais importante na sua carreira do que títulos?
M.R: Ah, importante demais. Volto a repetir: quero ser lembrado no Fluminense e, claro, vou atrás de títulos, porque essa é uma loucura que precisamos ter mesmo. O técnico vive disso. Converso com os jogadores e digo que nosso combustível é a vitória, sem isso não vivemos, não dormimos bem, não comemos bem. Temos de buscar isso a todo momento: ganhar, ganhar e ganhar. O dia em que for embora, quero ter deixado um clube melhor. Abri mão de muitas coisas. Então, é um compromisso que tenho e que o Fluminense também tem comigo. Vamos tentar melhorar o clube em todos os sentidos. Dentro de campo, fora de campo, estrutura… Tudo que puder melhorar, eu vou fazer para que isso possa acontecer. B.B: No fim do Brasileiro, o Flu estará passando por eleições. Isso poderá atrapalhar seu trabalho?
M.R: No meu trabalho, quando converso com as pessoas que vão me contratar, digo que elas estão levando um profissional que vai se dedicar, vestir a camisa. E quando digo “vestir a camisa”, significa trabalho duro. Digo que vai ter um profissional que vai cumprir tudo o que for conversado. Agora, vai ter também um grande chato se tentarem se meter no meu trabalho. Falo isso para a diretoria. Pode ser o dono do que for. Isso eu não aceito. O lado político do clube não é problema meu. Quem tem de resolver é o clube. Sou técnico de futebol. Se tentarem atrapalhar e eu identificar, vou cobrar. Porque dou meu máximo. Uma eleição é muito importante para o clube, mas o técnico não tem de se meter nisso. Estratégia de clube temos de respeitar. Mas afasto os jogadores dessa complicação.
D.L: Seu contrato inclui algo relacionado a exigências de estrutura, como, por exemplo, um CT?
M.R: Nada. Uma coisa que não gostei foi que, quando estavam tentando me contratar, saiu um monte de mentiras. Jogaram meu salário lá para cima, disseram que estava exigindo CT ou então não viria, que estava pedindo um monte de coisas… Meu contrato não tem nada disso. Só tem a duração e quanto o clube deve me pagar. Não tem CT nem nada. Acredito muito na palavra do homem. Desde que foi conversado, está fechado mesmo. É assim que funciona. É compromisso. Acho que o Fluminense tem de crescer e está trabalhando para isso. É isso que está me deixando contente, todos se mexendo no Fluminense. A palavra é importante, não precisa colocar no contrato. Também não poderia exigir isso. Dei minha opinião a eles, de que o clube tem de crescer nesse sentido.
L.B: Por confiar tanto na palavra, você já tomou muita rasteira?
M.R: Deixei de ganhar muito dinheiro. Sempre aparecem clubes interessados no meu trabalho. E sempre oferecem o dobro, um monte de coisas. É assim que funciona. Só que escolhi construir uma história no futebol mais difícil. Porque o futebol não é tão confiável, é tudo muito complicado. Amanhã, as pessoas dão as costas para você. Futebol é assim. As pessoas me perguntaram agora naquele episódio (sobre a Seleção): “Ah, e se o Fluminense mandar você embora depois de três ou quatro jogos?” Isso é problema do Fluminense! Isso é problema da pessoa que dirige o Fluminense, não é problema meu. Escolhi esse caminho e sou muito valorizado por isso. Em contrapartida, vejo outros caminhos que não deram certo. As pessoas pulam demais nos lugares, não têm consistência no trabalho. Escolhi esse caminho, que é o mais difícil, porque o futebol não é confiável para isso. Mas, por incrível que pareça, estou dando certo em todos os lugares. Eu cumpro meus contratos, mas é porque eu ganho também. Se não ganhar, me mandam embora. Vou fazer o quê? Estou feliz com a escolha que fiz, me dou bem assim. Fui criado dessa maneira. Já aconteceu de me darem as costas, mas fazer o quê?
B.B: Você acha, então, que há uma perda de valores no futebol?
M.R: Não existem mais valores, entendeu? Não existe mais isso, cara… E quando você tem uma atitude correta, ainda existe gente cara de pau que critica você. É uma coisa absurda o nosso país. Eu não faço isso para dar exemplo a ninguém. Não sou herói nem nada, como falou outro dia um desses aí. Mas eu tenho direito de ser o que sou. Sei que no nosso país está difícil mesmo. Você faz a coisa certa e o cara ainda tem dúvidas de você. “Por que ele fez isso? O cara é um romântico ainda.” Não sou romântico p… nenhuma. Sou homem. E tenho direito de fazer o que acho melhor para mim. Tenho de dar exemplo só para os meus filhos, para mais ninguém. Não quero ser modelo para ninguém. Os valores estão pequenininhos. Não sou nada, mas tenho direito de ser correto. E os caras ainda vêm me ironizar, falar um monte de besteiras. Então, o negócio do país é que o errado é o certo. Tem de levar vantagem em tudo. O correto é babaca, trouxa. Sofro um pouco por causa disso. Mas o certo é o que está aí: corrupção, tirar vantagem em tudo… Nosso país está indo pelo caminho certinho. Não tem valores para nada, contrato não vale nada, palavra não vale mais. Esse é o correto? Então estou indo para o outro lado. Mas sou o cara mais feliz do mundo. Ando de cabeça erguida.
L.B: Você encaixaria nisso o fato de o Ricardo Teixeira não ter lhe cumprimentado após o encontro em que ele lhe ofereceu o cargo de técnico da Seleção?
M.R: Não. Isso foi um grande bobagem que criaram. Sabe que eu nem percebi? Foi uma coisa mecânica, acho que dei a mão errada. Mas saímos numa boa, saí dali como técnico. Foi um desencontro.
L.B: Nessas horas em que você foi o técnico da Seleção, chegou a pensar em convocados?
M.R: Dá para você pensar. (risos) O treinador de futebol tem de estar atento a tudo. Depois do jogo contra Cruzeiro, em que o representante da CBF disse que queriam me chamar, já comecei a pensar em alguma coisa. A primeira lista (do Mano Menezes) foi boa, porque a ideia da CBF é mudar. Pegar jovens porque tem Olimpíada, um monte de coisas. Não tive dor ao ver o jogo (vitória do Brasil por 2 a 0 sobre os EUA, terça passada). Por isso o futebol é legal: se resolveu daquele jeito, está resolvido. Sonho é legal, mas tem de ser bem resolvido. Estou superfeliz com o Fluminense. Gostei como torcedor, é bom demais ver aquela molecada.
D.L: Você acha que as portas se fecharam para você na Seleção?
M.R: Só vou dizer uma coisa: um cara que é correto não tem nenhuma porta fechada. Não tenha dúvida disso. Não só no futebol, mas em todas horas. Sejam corretos que todas as portas estarão abertas.