25/01/2025
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Tempo de Natal (*)

Sou um emotivo incorrigível e em processo de exacerbação progressiva de tal estado do espírito. E sinto que minha emotividade cresce exponencialmente com a aproximação da temporada natalina. Além de me encantarem as luzes, as cores, os ornamentos, os sons, os sabores e odores característicos desta época mágica e envolvente, transporto-me, pela imbricação sinestésica desses elementos, para os cada vez mais distantes dias de minha infância e adolescência, no interior do Maranhão, onde, na humilde, porém festiva casa cristã de meus pais, festejávamos o Natal em família e na igreja evangélica, na ordem em que citadas.
Na véspera, dia 24, dedicada ao Natal familiar, além dos pais, irmãos, alguns vizinhos mais próximos pela amizade e de um ou outro amigo especialmente convidado, fechava-se o círculo dos partícipes do modesto evento festivo.
Como em Carutapera, onde então residíamos, ainda não havia chegado, entre as décadas de 1940 e 50, nada do que, andando o tempo, passou a representar o corpo multicolorido, reluzente e sonoramente atrativo do chamado espírito do Natal, tal espírito em verdade existia, porém em estado um tanto ou quanto evanescente. E, portanto, muito propício a dar asas à imaginação de quem tivesse capacidade para alçar-se à plena liberdade das alturas.
Com essa aparente falta de recursos que representou a disponibilidade de condições para fazer um Natal de gênero “made in família”, meus pais conseguiam superar todas as carências do meio, transformando-as em possibilidades sempre maiores à medida em que os anos iam passando, porque, ao cúmulo de suas experiências iam somando a contribuição cada vez mais importante dos filhos em crescimento.
Numa época e num meio social em que ainda não circulava a noção de preservação ecológica, nem, obviamente, as palavras que nomeiam ou qualificam esse ramo da ciência que estuda as relações dos seres vivos entre si e suas implicações com meio orgânico em que estão inseridos (segundo o Dicionário Houaiss, a palavra ecologia e seu cognatos surgiram nos meios letrados em 1928 e daí por diante), a despeito de vivermos naqueles pagos tão queridos e jamais olvidos, porém, carentes dos principais benefícios da civilização, meu Pai tinha nítida consciência ecológica “avant la lettre”.
Tanto era assim, que recomendava terminantemente a quem mandava ao mato que de lá trouxesse uma pequena árvore bem esgalhada e necessariamente já morta e desfolhada. A devolução da perdida viridência e do esmaecido vigor, àquele esqueleto era um operação de habilidade e paciência em que se envolvia toda nossa família nos alegres serões pré-natalinos, onde as matérias-primas de nossa fabriqueta onírica, eram, entre outras, papel de seda, papel crepom, papel celofane, papelão, algodão, cola, parafina e diversos itens decorativos, mais instrumentos como facas, tesouras, martelos etc.
Assim, em nossos “estaleiros” domésticos fabricávamos nossas árvores de Natal, exemplar único que com nenhum outro congênere se confundia. E ele ia, aos poucos, recebendo em seus caule e galhos revestimento que semelhava casca natural. E igualmente eram-lhe pespegadas folhas dotadas de nervuras, brilho e vivacidade que sugeriam vida em plenitude. Os frutos e flores, representados por elementos ornamentais e guloseimas, procediam todos da produção familiar informalmente gerenciada por Camim, nossa Mãe.
E na noite de um dia como o de hoje, não na véspera, mas na noite de 25, meu Pai, minha Mãe, meus Irmãos e eu, todos de roupa e calçados novos, participávamos do culto de Natal, onde, de por vezes, executávamos músicas apropriadas à ocasião, e cujas letras constam do hinário denominado “Harpa Cristã”.
Essa apresentação de nosso conjunto musical familiar geralmente fazia boa figura, porque o ensaio-geral para ela (chamado, no bumba-meu-boi de ensaio-redondo) acontecera na véspera, em nossa casa, e merecera do velho José Alípio, nosso Pai, Mestre e Maestro, as correções devidas para que fizéssemos, no dia seguinte, uma apresentação, digamos, apresentável (com perdão do truísmo talvez desnecessário).
Com esse acervo qualitativo de sentimentos que carrego desde a infância, será fácil compreender que não me fascinam (antes me aborrecem) as manifestações do consumismo desbragado e geralmente fútil que inundam o comércio no Natal.
Pela carga de emoções benfazejas que em mim renascem todas as vezes em que me tem sido proporcionada a graça de viver a temporada natalina, tenho nela e por causa dela meu grande e inestimável presente, porque volto envolto em mágica imbricação sinestésica àqueles tempos inaugurais de minha vida, em que eu era feliz e sabia. Ora se sabia…
Tudo a recordar, porém nada a lamentar, porque hoje, sou e estou feliz, graças a Deus.
(*) Jomar Moares 

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