HÉLIO SCHWARTSMAN
O roteiro é conhecido. Após uma tragédia como a de Santa Maria, a vontade de agir é irrefreável. Nas próximas semanas, Estados e municípios atualizarão suas normas de segurança anti-incêndio e apertarão a fiscalização sobre todo tipo de estabelecimento.
Trata-se, é claro, de um efeito transitório. Com o tempo, o ímpeto vigilante arrefece e as coisas voltam mais ou menos ao que eram antes. E não adianta muito maldizer a leniência das autoridades brasileiras. Ainda que em diferentes graus, o fenômeno é universal e tem origem nos mecanismos pelos quais percebemos o perigo. A pergunta é se devemos aceitar essa abordagem intuitiva ou se seria preferível buscar uma visão mais racional, recorrendo à análise de risco e a especialistas antes de agir.
Há aqui duas visões respeitáveis e difíceis de conciliar. Paul Slovic, talvez a maior autoridade do mundo em psicologia do risco, é um ferrenho defensor do senso comum. Diz que especialistas padecem dos mesmos vieses das pessoas comuns. Só são mais eficientes ao justificar suas preferências. A própria noção de risco objetivo é uma ficção. Devemos aproveitar casos de comoção motivados por incêndios, enchentes etc. para melhorar o marco regulatório. O progresso vem entre episódios de pânico.
Outra sumidade na área, Cass Sunstein, tem um projeto mais iluminista. Ele acha que especialistas têm algo a ensinar e que apenas reagir às notícias de jornal pode causar mais mal do que bem. Um exemplo: o medo insensato do terrorismo pode fazer com que muitos troquem o mais seguro transporte aéreo por longas e perigosas viagens de carro, gerando mortes desnecessárias.
Eu pendo mais para Sunstein. O problema, no fundo, é a arquitetura de nossos cérebros. Quando lidamos com riscos que não fazem parte de nosso dia a dia, ou agimos como se eles não existissem ou como se fossem uma sentença de morte. O mais realista meio-termo desaparece.