Yane Botelho Da equipe de O Estado
Envergando o chapéu estampado do bumba meu boi, o cantador João Chiador segue arrastando trupiadas ao longo de uma carreira de quase seis décadas. Com apito no pescoço e maracá prateado na mão, tornou-se ídolo à frente do Boi da Maioba e, hoje, do Boi de Ribamar, o qual assumiu há 20 anos. Aos 73 anos, ainda atravessa madrugadas pelos arraiais, mostrando sua voz acompanhada pelo som dos pandeirões, das matracas e das zabumbas. A cantoria do famoso mestre representa a imortalidade da arte genuinamente maranhense.
Depois de 59 anos de carreira, mais uma vez ele anuncia: “Vou deixar de ser cantador em 2014”. No entanto, a declaração não assusta. Tão logo a diz, sua mulher, Rosa Pereira Reis, 63 anos, a refuta: “Todos os anos tu juras que vai parar, e nunca larga. Além disso, o que vai ser de nossa família no mês de junho? Vamos ficar em casa enquanto acontecem os arraiais?”, reclama. Mas o bumba meu boi é inseparável de sua alma de cor maranhense. Até nas festas de aniversário ou quando vai ao supermercado, sempre que alguém o reconhece, não escapa do pedido para recitar alguma toada. Entre as preferidas estão “São Luís Cidade dos Azulejos” e “Negra Profecia (Nossa Senhora de Aparecida)”.
Dono de voz forte e marcante, o cantador se prepara para a temporada junina que se principia na cidade. No arranjo do cantar, Chiador resguarda a garganta que perde força por causa da idade avançada. “Já não tenho mais o mesmo fôlego”, admite. Lambedor de gengibre, mel, romã, limão, cravinho e, de vez em quando, um pouco de conhaque, ajuda a colocar a voz em afinação. Como companheiro inseparável das madrugadas, tem o chiado de seu maracá, usado pelo capitão da infantaria para avisar à guarnição quando a batucada dos pandeirões e matracas deve começar ou parar.
A cada ano, quando se aproxima o mês de junho, ele se empenha em renovar seu repertório. “A música vem em sonho. Não tem como descansar”, diz. João Chiador fala da saudade de seus mestres e de suas composições. O cantador já fez parceria com Fifi da Mangueira e tem quase 50 discos gravados – no início em vinil e agora em CDs. Com seu timbre encantador, ele diz que tem orgulho de participar da história maranhense como um dos maiores divulgadores da tradição folclórica do estado. “Estar à frente do batalhão de Ribamar é uma felicidade muito grande”, afirma.
Chiador – Nascido em 20 de agosto de 1938, João Costa Reis, segundo seu registro de nascimento, tem o hábito do boi desde menino. Seu pai, Cândido Reis, de quem herdou a paixão pelo bumba meu boi, era mestre cantador do Boi de Maracanã. Figura emblemática, iniciou seu percurso como compositor e intérprete de toadas aos 12 anos. Foi por volta dessa época que João ganhou o epíteto Chiador. Ele costumava reproduzir o chiado produzido pelas rodas dos caminhões da companhia Ulen – empresa que abastecia de água as casas ludovicenses – ao passarem sobre o mangue. De tanto repetir o gesto, seu colega Bernardo, que anos mais tarde tornou-se seu compadre, chamou-o Chiador. O novo nome calhou com seu modo de cantar.
Aos 14 anos, passou a participar de um boi organizado na Maiobinha por Amintas Guterres, então vereador de São José de Ribamar. Com 22, tornou-se cantador profissional, ao entrar no Boi da Maioba, em 1961, para acompanhar o cantador oficial do grupo, o lendário Luís Gonzaga, mais conhecido como “Luís Dá Na Vó”. Nessa época, Chiador vendia camarão na Praça João Lisboa para poder sustentar a família. “Um quilo de camarão grande custava, naquele tempo, o equivalente a R$ 5,00. Era uma beleza!”, relata. Com a morte do velho companheiro, no dia 5 de fevereiro de 1963, João se tornou mestre e assumiu o comando do batalhão da Maioba.
Desentendimento levou à saída do boi da Maioba
João Chiador marcou época e tornou-se ídolo entre os cantadores. Quando saiu da Maioba, em 1992, após passar 32 anos como comandante, o mais famoso cantador da Ilha foi substituído por Francisco de Sousa Correia, o Chagas, que agora aparece como o protagonista do batalhão.
Foi uma despedida conturbada, ele revela. Já casado com Rosa Pereira Reis e com duas filhas, viu-se obrigado a deixar o grupo. “Foram desentendimentos quanto ao pagamento. Havia atrasos e nem sempre o dinheiro dava para cuidar da família”, afirma.
Quando souberam da notícia de sua saída da Maioba, vários amos de boi ofereceram emprego a João Chiador. “Mas o Boi de Ribamar, além de ter garantido a melhor oferta, tinha tradição”, resume. Assumiu o grupo, a partir de 1993. Com o dinheiro proposto, pôde ampliar a casa. Hoje, João Chiador diz não guardar más lembranças do Boi da Maioba. “Só guardo saudades!”.