Boa parte destes imóveis já foi reformada, de acordo com o órgão; iniciativas como o “Adote um Casarão” visam ocupar espaços ainda ociosos na região central da cidade
THIAGO BASTOS / O ESTADO11/07/2020
SÃO LUÍS – Dados da Superintendência Regional do Instituto Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no Maranhão mostram que, atualmente, são reconhecidos – pelo órgão federal – 1,5 mil imóveis tombados na cidade. Destes, boa parte já passou por reforma e outro percentual ainda sofre com o descaso e a falta de conservação. O último levantamento da Defesa Civil Estadual apontava para mais de 90 casarões sob risco de desabamento. O objetivo das autoridades públicas é revitalizar a área central da cidade, com a ocupação destes imóveis em sua maioria após recuperação física.
A reforma dos prédios, até alguns anos, esbarrava em questões burocráticas. No entanto, isso mudou e atualmente a relação jurídica de compra e venda de imóveis históricos respeita as regras do direito civil aplicadas em qualquer outro negócio. O interessado em adquirir um imóvel deve inicialmente procurar o dono para, em seguida, fazer a proposta.
A recuperação de imóveis desta magnitude é considerada cara, já que – com base nas determinações de manutenção dos aspectos originais da arquitetura – os itens a serem reformados são fabricados com base em métodos e materiais antigos, de oferta baixa. Pelo elevado valor de matéria-prima, quem deseja reformar um casarão histórico deve literalmente “meter a mão no bolso”.
Quanto às intervenções físicas nos imóveis históricos, segundo o superintendente do Iphan no Maranhão, Maurício Itapary, o órgão deve ser notificado. “Sempre que houver alguma interferência física em um imóvel considerado histórico, o Iphan é consultado, por obrigação. A equipe técnica deve acompanhar todo o trabalho e dar o suporte técnico para que os serviços sejam feitos, preservando em especial os aspectos da originalidade”, disse.
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Em 2010, São Luís aderiu de forma oficial ao Programa de Aceleração das Cidades Históricas (PAC), com o objetivo de recuperar parte dos imóveis considerados históricos na cidade. Originalmente, eram previstas 44 obras em vários trechos da cidade, no entanto, várias delas sofrem com atrasos, como a reforma do Palácio das Lágrimas, na rua da Paz, por exemplo. À época, previa-se uma ordem total de investimentos na casa dos R$ 300 milhões que seriam aplicados “na formação de técnicos, no desenvolvimento e aplicação de instrumentos de gestão integrada e na recuperação, valorização e promoção do uso do patrimônio cultural”.
Alguns prédios, como o Sobrado dos Belfort, ao lado da Igreja do Carmo, foram recuperados e entregues à população, com grau impressionante de revitalização e, ao mesmo tempo, manutenção dos aspectos originais. Atualmente, apenas iniciativas particulares e uma, em especial, do Governo do Maranhão estimulam com afinco a recuperação dos imóveis.
A análise é de que, considerando os preços elevados de reforma e o atual momento financeiro do país, o mercado de aquisição de imóveis na área do Centro Histórico da cidade está em tendência estável, com viés de queda. Mesmo assim, iniciativas anteriores possibilitaram que muita gente pudesse residir em um imóvel histórico até hoje.
Lenir tem o cenário encantado do Centro Histórico, bem ali, da sua sacada
Cada dia mais encantada com o Centro
Em 2006, quando decidiu deixar sua antiga casa, na Rua da Saavedra, a
professora Lenir Oliveira jamais pensou que seria tão feliz em sua atual
residência, no Centro. Ocupando um prédio histórico, em um espaço interno dividido
com sala, dois quartos e um banheiro, a também técnica em assuntos culturais é
orgulhosa de residir em um local de grande valor arquitetônico.
Seu imóvel está situado na Rua da Palma, a poucos metros do bairro Desterro. Na sacada, a professora contempla a passagem incessante dos veículos durante o dia, e a calmaria, somada à beleza dos lampiões acessos, à noite. “É uma beleza única, que somente quem mora aqui tem condições de contemplar”, afirmou.
A professora vive há mais de três décadas no Centro. “Aqui nesta região da cidade, criei meus filhos e passei pelas principais lembranças de minha vida. Sou muito feliz aqui no meu Centro. E morar em um prédio cujo valor histórico e cultural é imensurável, para mim, é motivo de muito orgulho”, afirmou.
Atualmente, ela mora no segundo piso de um casarão que, por ela, ainda são desconhecidas as origens. Sabe-se apenas que o imóvel foi erguido em meados do século XVIII, período em que a capital maranhense teve a consolidação da região do Centro Histórico, com o estabelecimento de um polo comercial e moradias.
De acordo com informações do Governo do Maranhão, o prédio foi disponibilizado a servidores públicos estaduais e passou por reformas executadas pelas secretarias de Estado de Infraestrutura (Sinfra) e da Gestão, Patrimônio e Assistência aos Servidores (Segep). Os atuais moradores estariam autorizados a promover apenas pequenos reparos, como pintura por exemplo.
Apesar do tempo de construção, o imóvel aparenta estar em bom estado de conservação. Além de Lenir, outras famílias residem no casarão. Em frente a ele, reside o professor Joseleno Moraes. Músico, o professor também elogia a moradia no Centro. “Sem dúvida, é uma boa opção para quem deseja morar bem e, principalmente, com boa localização. Já que aqui estamos pertos de tudo”, enfatizou.
SAIBA MAIS
DESTERRO, O MAIS HABITADO
Um dos bairros que ainda registra concentração de moradias no Centro Histórico é o Desterro. A localidade, importante no período de ocupação portuguesa, aparece na planta da cidade datada de 1642, conforme pesquisa do professor e vice-presidente do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão (IHGM), Euges Lima.
A Rua da Palma, por exemplo, onde está situada a moradia da professora Lenir Oliveira, corta o bairro Desterro. A característica das moradias ainda marca a interferência lusa na capital maranhense. No bairro, avista-se a Igreja de São José do Desterro, tema de reportagem especial de O Estado em agosto do ano passado.
HABITAR NO CENTRO
Iniciativa que estimula a moradia no Centro Histórico
Uma das iniciativas para a ocupação do Centro Histórico atuais é o “Adote um Casarão”, incluso no programa “Nosso Centro”. Executado pelo Governo do Maranhão, por meio da Secretaria Estadual de Cidades e Desenvolvimento Urbano (Secid) e criado em junho de 2019 por meio do Decreto nº 34.959, a iniciativa visa – a partir de seleção estabelecida pela pasta – buscar interessados em reformar e ocupar imóveis tombados na região central da cidade.
De acordo com a pasta, todo projeto no perímetro de tombamento federal, por lei, é submetido ao Iphan. Uma das estratégias do programa é provocar a “redução dos espaços vazios”, com o aproveitamento da infraestrutura e das edificações “ociosas” no Centro. Por ora, o foco da iniciativa é conceder autorização para que empresas interessadas em se instalar no Centro assim o façam a partir da recuperação de um imóvel.
A primeira fase da ação da Secid relativa aos casarões contou, de acordo com o Governo, com investimentos da ordem de R$ 149 milhões. Um dos projetos entregues com parte destes valores foi o Centro Administrativo João Goulart, onde foram instaladas 8 secretarias de Estado. A segunda etapa do projeto “Adote um Casarão” contará com quatro editais para seleção individualizada de imóveis.
No dia 14 deste mês (terça-feira) será promovida a segunda rodada de visitas aos imóveis com representantes da Secid. O objetivo é ampliar a medida para que interessados também tenham o direito de “adotar” um casarão como moradia.
De acordo com a Secid, o edital para que Organizações da Sociedade Civil (OSC) que estejam interessadas em celebrar acordo de cooperação para gestão condominial dos imóveis está aberto.
Segundo a direção da pasta, o documento vai selecionar entidades interessadas na gestão de 48 unidades de habitação (apartamentos) em cinco prédios no Centro Histórico de São Luís. De acordo com o Governo, os imóveis estão localizados na Rua das Hortas, nº 270; Rua dos Craveiros, nº 122; Rua de Santaninha, nº 418; Rua da Palma, nº 247; e Avenida Magalhães de Almeida, nº 167.
Encanto de morar dentro da história: a vida nos prédios tombados de SL
O Estado esteve com quem ainda reside no ponto central e antigo da cidade, nascedouro de um dos espaços mais valorizados, pelos entusiastas da influência estrangeira na formação de um povo
SÃO LUÍS – São Luís é conhecida mundialmente por seu rico acervo arquitetônico e sua importância no processo colonial brasileiro. Por aqui, de acordo com a historiografia oficial, os franceses começaram a desbravar as terras, até então desabitadas que, em seguida, passaram a ser exploradas por outros povos europeus. Nesta época e com base nas características de cada população, a cidade foi recebendo influências e moldando o seu desenvolvimento a partir das gestões locais e das transformações sociais.
A partir dos séculos XVIII e XIX, quando o estado do Maranhão teve participação decisiva na produção econômica do país como um dos grandes exportadores de arroz, algodão e matérias-primas regionais, começaram a surgir, em especial na região central da cidade (polo importante das atividades comerciais à época), conjuntos de imóveis homogêneos e com características fortes da arquitetura clássica.
Foi um período em que a capital ingressou no rol das cidades mais prósperas do Brasil (com outras localidades como Salvador, Recife e Rio de Janeiro). No entanto, os mais representativos exemplares da arquitetura ludovicense datam da segunda metade do século XIX e foram formados por fachadas revestidas em azulejos portugueses, que estão entre os aspectos, de acordo com o Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), mais peculiares da expressão cultural maranhense.
Por meio das intervenções urbanas, ergueu-se na Ilha um dos conjuntos de imóveis mais robustos e famosos do país e, por que não dizer, do mundo, já que a cidade foi reconhecida em 1997 como um Patrimônio Cultural Mundial pela Unesco, por aportar “o testemunho” de uma tradição cultural rica e diversificada.
Os casarões, basicamente, foram feitos com o que havia de mais moderno à época, quanto às concepções arquitetônicas, e com as técnicas mais desenvolvidas. Em alguns casos, os casarões surgiram a partir de posições pré-definidas por seus construtores e mentores, com o aproveitamento de aspectos que iriam desde a ventilação, até detalhes como a sombra a partir da posição do sol.
Beleza nostálgica
Mesmo com o passar dos anos e ausência de ações mais efetivas de particulares e
do poder público, o cenário se mantém com a beleza nostálgica que carrega uma
cidade que “briga” para não ver a sua história perdida. No Centro Histórico, e
em ruas como a Portugal, por exemplo, o visual mantém o tecido urbano
preservado, com todos os elementos que o caracterizam e conferem a ele uma
inconfundível singularidade.
Nas décadas de 1940 e 1950, pessoas que ainda residiam nesta região da cidade passaram a migrar para outras partes do território de São Luís. Com isso, o cenário central passou a se transformar (das moradias para as unidades comerciais). Até mesmo prostíbulos, que passaram a ser frequentados, em sua maioria, por moradores da região e marinheiros que desembarcavam na Rampa Campos Melo, substituíram as antigas moradias de determinadas ruas do Centro.
Anos mais tarde, mais especificamente em meados da década de 1990, novos projetos estimulados pelo poder público para ocupação do Centro e adjacências modificaram parcialmente o movimento habitacional da cidade. Pessoas voltaram a ser beneficiadas e estimuladas a residir nesta parte de São Luís.
Na década de 2000, outras ações semelhantes do poder público voltaram a ser aplicadas. Neste período, vários atuais moradores começaram a ser beneficiados com a reforma de prédios e, em consequência, se mudaram novamente para esta região da Ilha. Histórias de pessoas que O Estado passará a contar. Mas antes, é preciso fazer menção a quem já morou e ocupou o Centro, com suas histórias e importância para a população.
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Os antigos moradores: O Estado já contou essas
histórias
Em outubro de 2018, O Estado contou a história de moradias e moradores antigos
do Centro. Foi uma viagem no tempo para o leitor mais assíduo e,
principalmente, mais sedento por informações acerca da formação e
desenvolvimento da capital.
Na ocasião, o periódico contou por exemplo as características e curiosidades do Palácio das Lágrimas. No imóvel, morreu a escrava que se lamentou por ser acusada de um crime que não cometeu.
Outro prédio considerado importante na memória ludovicense é o prédio na Rua do Sol. Trata-se de um dos imóveis que carrega a maior tradição literária da cidade. No casarão, viveu por vários anos o escritor Aluísio Azevedo, com outros quatro irmãos (além da mãe e do pai, um vice-cônsul português).
A reportagem tratou, ainda, de detalhes do sobrado da Baronesa de Grajaú. Erguido distante do Centro Histórico e com intuito de abrigar uma das famílias de maior posse da região no período, o sobrado da Baronesa de Grajaú – prédio anexo do Museu de Arte Sacra – é uma construção datada do século XIX e serviu como refúgio de Carlos Fernandes Ribeiro e de sua digníssima esposa, Anna Rosa Vianna Ribeiro, conhecida como “a Baronesa de Grajaú”.
Moradia de músico, em casarão na Rua da Palma
O sobrado de Pontes Visgueiro, na Rua São João, foi outro prédio contemplado na publicação. Construído no século XIX, na esquina com a Rua da Saavedra, o prédio ocupa um papel importante por ser sede de uma das histórias mais impressionantes da cidade. Nele, morou o desembargador José Cândido de Pontes Visgueiro, um alagoano que viria para São Luís constituir família.
Após certa idade, conforme relata o professor Antônio Guimarães, em “Becos & Telhados”, Pontes Visgueiro se apaixonou por uma mulata, chamada Maria da Conceição, popularmente chamada – conforme citado por Jomar Moraes – de Mariquinhas.
Cansado de falta de consideração, no dia 14 de agosto de 1873, Pontes Visgueiro, acompanhado por um capanga, atraiu Mariquinhas para o interior do imóvel. No segundo andar, a moça teria sido imobilizada e espancada.
Estas e outras histórias servem para contextualizar a importância de um acervo arquitetônico cujos fatos, na contemporaneidade, passam a ser recontadas com outros personagens.
O sociólogo que reside no Centro: o filho do
“escangalhado”
Em um prédio histórico na Rua da Palma, cuja origem remonta ao período colonial
na capital maranhense, reside o professor universitário José Antônio Ribeiro.
Filho de pais ludovicenses, o docente ama residir na região central da cidade,
em um espaço importante para a cultura local.
O Estado foi convidado para conhecer o seu espaço de moradia. A área – que funciona como um “apartamento” – nada mais é do que um dos compartimentos do robusto casarão, de esquina e cuja reforma fora promovida pelo poder público.
O espaço de moradia possui sala, quartos e banheiro e a divisão dos compartimentos do “apartamento” dentro do casarão reaproveita o imóvel de forma original. O professor enfatiza que passou boa parte de sua vida residindo no Centro. Para ele, não é uma novidade. “Pelo contrário, já explorei e exploro várias das ruas daqui da região central”, afirmou.
Contemplado com projeto oriundo do Governo do Maranhão e promovido há 14 anos, o professor filho do “Zé Escangalhado”, antigo quitandeiro da área do Centro, passou a viver em imóvel próprio. Ele, que respira cultura (amante dos valores sociais e da boa música), destaca as vantagens de morar na região. “Aqui estamos perto da cultura, com imóveis históricos de famílias tradicionais, cercados por exemplo pelo Teatro Arthur Azevedo e por outras construções tão importantes da Ilha”, frisou ao se lembrar de moradias, segundo ele, ocupadas por sobrenomes famosos, como os Duailibe e os Mohana.
Questionado se residiria em outro bairro da cidade, o professor foi enfático. “Não, de jeito nenhum. Adoro morar no Centro e não me vejo, no momento, residindo em outra localidade”, garantiu.
NÚMEROS
1950 foi uma das décadas em que ocorreu a migração
dos antigos moradores do Centro para outras regiões da cidade
1990 em diante foram registrados projetos pelo poder público para reocupação do
Centro e adjacências
1997 a capital maranhense foi reconhecida como Patrimônio Cultural da
Humanidade