02/12/2024

Morre Sérgio Sant’Anna, um dos principais escritores brasileiros, aos 78 anos, vítima de coronavírus

Morreu neste domingo, aos 78 anos, o escritor Sérgio Sant’Anna, vítima de coronavírus. Um dos principais autores do país, ele estava internado no Quinta D’Or, em São Cristovão, Zona Norte do Rio, desde o dia 3, com os sintomas da doença. A notícia foi divulgada pela irmã do autor, a também escritora Sonia Sant’Anna, e confirmada pelo filho André Sant’Anna.

Nascido no Rio, em 1941, Sérgio Sant’Anna havia completado 50 anos de carreira em outubro passado. Seu primeiro livro de contos, “O sobrevivente”, foi publicado por conta própria, com o dinheiro emprestado do pai. O sucesso veio logo em seguida, mas o filho nunca o pagou de volta. No ano anterior, ele havia participado de passeatas de Maio 68, em Paris, onde estudava ciências políticas graças a uma bolsa de pós-graduação, e da Primavera de Praga.

Após passar oito meses em um programa de formação de autores nos Estados Unidos, publicou mais três livros nos anos 1970: a coletânea de contos “Notas de Manfredo Rangel, repórter” (1973) e os romances “Confissões de Ralfo” (1975) e “Simulacros” (1977). Até hoje visto como um de seus melhores livros, “Confissões de Ralfo” (1975) narra as peripécias de um escritor que decide compor uma autobiografia imaginária repleta de episódios inverossímeis.

Foi no conto, porém, que o autor encontrou sua maior expressão, sendo reconhecido como um dos grandes contistas de sua geração. Teve diversas coletâneas premiadas, incluindo o Jabuti por “O concerto de João Gilberto no Rio de Janeiro” (1986), o Prêmio Telecom por “O voo da madrugada” (2003), e o Prêmio Clarice Lispector por “O livro de Praga” (2011).

Mesmo com a progressiva desvalorização do gênero no Brasil ao longo dos anos, suas coletâneas continuavam tendo um público fiel. O autor calculava que nenhum de seus livros vendia menos de cinco mil exemplares (um número bastante razoável para a ficção nacional).

“A fidelidade é porque comecei (minha carreira) no conto”, disse ele em entrevista ao GLOBO em 2016. “Fui adquirindo o formato. Sempre penso em função de um término. Não tenho vontade de espichar. É minha vocação”.

O escritor também fez sucesso em outros formatos. Venceu dois Jabutis pela novela “Amazona” (1986) e o romance “Um crime delicado” (1997), que foi adaptado para o cinema por Beto Brant em 2005.

O cinema, aliás, sempre prestigiou à sua literatura. O conto que dá título à coletânea “A senhorita Simpson” (1989) virou o longa “Bossa nova”, de Bruno Barreto. Já a peça “Um Romance de Geração” deu origem a um filme dirigido por David França Mendes em 2008.

Um entusiasta da análise (“Sem ela, me sentiria mutilado”, disse certa vez”), Sant’Anna usava suas sessões, que manteve por mais de três décadas, como inspiração para escrita. Nos últimos anos, evitava se aventurar em relacionamentos e via sua vida amorosa encerrada após os 70. Torcedor apaixonado do Fluminense, sentia falta do Rio antigo, numa nostalgia que se refletiu em sua peúltima coletânea de contos, “Ano zero”.

“(O Rio) era mais aprazível”, disse ele em entrevista ao GLOBO em 2016. “Hoje é gente demais. Tráfego terrível. Muita violência. Podem me chamar de nostálgico. Copacabana era um paraíso. E o Botafogo da minha infância. A quantidade de gente e de carros atrapalhou não só o Rio, mas o Brasil”.

O último livro de Sant’Anna, “Anjo noturno”, foi lançado em 2018. Na resenha publicada pelo GLOBO, o crítico Miguel Conde viu na coletânea de contos uma esperança de que “o Brasil ainda não foi reduzido a um ajuntamento de trogloditas”. “Em outros tempos, seria “apenas” mais um bom livro de um dos maiores escritores brasileiros. Nas circunstâncias atuais, é obra para divulgar entre amigos, parentes e colegas de trabalho”, escreveu.

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