Aeronave adquirida para a Polícia Militar do Estado leva senador e amigos a ilha
Presidente do Senado diz que viajou a convite da filha governadora e afirma ter direito a transporte oficial
Aderson Pereira e sua irmã Rosângela; mesmo acidentado, pedreiro precisou esperar desembarque de Sarney para ser retirado de outro helicóptero
FELIPE SELIGMAN
ENVIADO ESPECIAL A ALCÂNTARA (MA)
JOÃO CARLOS MAGALHÃES
DE BRASÍLIA
O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), usou um helicóptero da Polícia Militar do Maranhão para passear em sua ilha particular duas vezes neste ano.
A aeronave foi adquirida no ano passado para combater o crime e socorrer emergências médicas. Foi paga com recursos do governo estadual e do Ministério da Justiça e custou R$ 16,5 milhões.
Numa das viagens até a ilha de Curupu, onde tem uma casa, o senador foi acompanhado de um empresário que tem contratos milionários no Maranhão, que é governado por sua filha Roseana Sarney (PMDB).
No fim do passeio, o desembarque das bagagens de Sarney atrasou o atendimento de um homem com traumatismo craniano e clavícula quebrada que fora socorrido pela PM e chegara em outro helicóptero antes de Sarney.
Um cinegrafista amador registrou imagens que mostram Sarney e seus amigos desembarcando no heliponto da Polícia Militar em São Luís em dois domingos, 26 de junho e 10 de julho. A Folha obteve cópias dos vídeos.
Em nota de sua assessoria, o senador disse que tem “direito a transporte de representação em todo o território nacional” e afirmou ter viajado no helicóptero a convite da “governadora do Estado”.
Políticos que usam bens públicos em “obra ou serviço particular” podem ser punidos com a perda da função e suspensão de direitos políticos, conforme a Lei de Improbidade Administrativa. Uma lei estadual de 1993 proíbe “a utilização de veículos oficiais em caráter pessoal” no Maranhão, mas não deixa claro se a restrição pode ser aplicada aos helicópteros da polícia.
Ao discursar na entrega da aeronave em 2010, a governadora Roseana disse que a aquisição era “uma demonstração [de] que estamos investindo em uma polícia moderna, […] afastando de vez a bandidagem” do Maranhão.
A gravação feita no dia 10 de julho mostra Sarney e sua mulher, Marly, saindo da aeronave. O senador usa roupas claras e uma boina.
Os primeiros a desembarcar foram o empresário Henry Duailibe Filho e sua mulher, Cláudia. Primo do marido de Roseana, Jorge Murad, Duailibe é dono de uma construtora e de concessionárias de automóveis que têm contratos de pelo menos R$ 70 milhões com o Estado.
Os vídeos obtidos pela Folha não têm cortes, mas as imagens são pouco nítidas em alguns momentos, porque foram captadas por uma câmera amadora a mais de 500 metros de distância.
Mesmo assim, é possível ver com clareza a saída dos passageiros e os funcionários da base da PM descarregando a bagagem depois.
ACIDENTE
Dez minutos após a chegada de Sarney e seus amigos, os funcionários retiraram numa maca o paciente que esperava no outro helicóptero.
O homem socorrido é o pedreiro Aderson Ferreira Pereira, 40, que sofrera um acidente e estava sendo transportado para um hospital em São Luís. Ele vive em Alcântara, a 53 km de São Luís, e viajou acompanhado pela irmã, Rosângela Pereira, 45.
Localizado pela Folha na semana passada, o pedreiro disse que teve de esperar algum tempo até ser retirado do helicóptero. “Me disseram que a ambulância não tinha chegado”, afirmou Pereira, que já se recuperou do acidente e voltou ao trabalho. Sua irmã disse ter visto “o pai e a mãe da governadora” enquanto aguardava na base aérea da PM. Ela contou que a ambulância que levaria seu irmão ao hospital já estava à espera quando o helicóptero que o socorreu aterrissou.
Rosângela acertava detalhes do transporte do irmão quando uma funcionária alertou-a para a chegada de Sarney. “Ela disse: “Querem olhar os pais da governadora?” Aí eu disse: “Quero”. E nós olhamos rapidinho.”
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OUTRO LADO
Senador diz ter direito a transporte do Estado
Sarney afirma que a viagem particular foi feita a convite da filha governadora e de acordo com a Constituição
DE BRASÍLIA
O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), afirmou, por meio de sua assessoria, que o uso pessoal do helicóptero da Polícia Militar do Maranhão se justifica porque ele tem “direito a transporte de representação e segurança em todo o território nacional, seja no âmbito federal ou estadual, sem restrição às viagens de serviço”.
A assessoria afirma que os voos particulares do senador estão em consonância com o artigo 2º da Constituição, que diz: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.
Ainda de acordo com a assessoria do senador, “a viagem foi feita à ilha de Curupu a convite da governadora do Maranhão, Roseana Sarney”, que é filha de Sarney.
O senador não se pronunciou sobre a presença do empresário Henry Duailibe Filho no voo e a demora no atendimento do pedreiro Aderson Ferreira Pereira, que no dia 10 de julho precisou esperar o desembarque de Sarney para ser levado a um hospital em São Luís.
O empresário Henry Duailibe Filho disse que pegou uma “carona” no helicóptero da Polícia Militar e não vê nada que o impeça de fazer isso. “Eu estando lá e ver [o helicóptero] vazio, não posso ir? Acho que posso”, afirmou.
Duailibe negou que a proximidade com a família Sarney tenha ajudado suas empresas a obter contratos com o governo do Estado. O empresário tem pelo menos R$ 70 milhões em contratos com o Maranhão. Procurado na sexta-feira, o governo do Estado não se pronunciou sobre o assunto. (FS e JCM)