SÉRGIO RODRIGUES
COLUNISTA DA FOLHA
O historiador, professor e cronista carioca Luiz Antonio Simas, 49, não gosta muito de Neymar. Reconhece no atacante do Barcelona e da seleção um craque dos grandes, mas acha que algo importante se perdeu na era do futebol-empresa, em que “o jogador é vendido como um produto”.
“Ode a Mauro Shampoo e Outras Histórias da Várzea” é sua resposta ao que ele chama de “desencantamento” do futebol. Um dos autores convidados da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) -paticipará de mesa em 28/7 (veja acima) -e premiado com o Jabuti 2016 pelo “Dicionário da História Social do Samba” (com Nei Lopes), Simas é um pesquisador interessado nas margens da história oficial.
Em vez de jogadores consagrados e façanhas de grandes clubes, as 32 crônicas do livro trazem histórias miúdas ou esquecidas, entre o fracasso e a pequena glória, que ajudam a compor a mitologia do esporte preferido dos brasileiros.
“Não faço a defesa de um romantismo pueril, não acho que o futebol esteja perdendo a alma. Hoje um garoto vai encontrar novas formas de se relacionar com aquilo”, afirma. “Só que, para mim, alguma coisa está se perdendo na dimensão dos afetos.”
Atacante de lendária ineficiência do Íbis, que carrega a fama de pior time do mundo, Shampoo é um dos quase heróis ou anti-heróis (veja na pág. 3) que circulam pelo livro na prosa colorida e bem-humorada do autor. Há saudosismo na receita, mas sem o acompanhamento de tristeza ou rabugice.
“O livro é uma brincadeira, uma tentativa de fazer com o futebol o que Walter Benjamin chamava de escovar a história a contrapelo”, diz Simas, numa das misturas de cultura popular e cultura erudita que são sua marca.
“Sou um botafoguense que cresceu na época do jejum”, afirma, referindo-se ao hiato de duas décadas em que o clube não conquistou nenhum título carioca, entre 1969 e 1988. “Passei a ter empatia pelo que não dá certo.”
Os clubes e jogadores presentes no livro representam as mais variadas regiões do país, algo pouco comum no trabalho desse cronista que encontra seus temas na cultura popular do Rio e que se transformou ele próprio em personagem marcante da cidade.
Ex-cronista do jornal “O Dia” e atual colunista da rádio CBN, Simas é conhecido também por suas aulas em espaços públicos e pelos livros sobre a história do Rio -com os universos do samba e da umbanda e candomblé em destaque- nos quais a verve de cronista abafa todo ranço acadêmico. A José Olympio aproveitou a Flip para apressar o lançamento de mais um destes, “Coisas Nossas”.
Frequentador assíduo de botequins e rodas de samba, Simas acabou virando bastião de resistência (ou de “re-existência”, como prefere) contra a “perda da rua como espaço de construção de sociabilidade, principal traço identitário do Rio”. Não se deve convidar o homem para beber num shopping center.
“Ele é hoje uma das cinco pessoas mais importantes da cidade”, diz o jornalista Fernando Molica, âncora do programa diário CBN Rio, no qual o professor de história têm às sextas-feiras o quadro Cultura Popular Carioca. “Ninguém faz tão bem essa mistura de saber acadêmico e cultura popular.”
Nascido em Laranjeiras, neto de uma mãe de santo, Simas foi sagrado babalaô no culto de Ifá, condição que define como “um sacerdócio que dá inclusive direito a consultas oraculares, algo que exerço dentro de uma perspectiva familiar”.
Se o tema do novo livro ultrapassa em muito os limites da cidade, é de uma perspectiva marcadamente carioca que o futebol é abordado em “Ode a Mauro Shampoo”.
É notável o parentesco com os relatos clássicos em que o jornalista Mario Filho, irmão de Nelson Rodrigues, preservou a memória oral das primeiras décadas do futebol brasileiro, mantida viva em títulos como “O Negro no Futebol Brasileiro”.
Como no caso de Mario, os casos de futebol garimpados por Simas trazem, junto com os dados históricos, uma dose de lenda. Nenhum problema para o cronista: “O Fernando Pessoa tem uma frase boa: ‘O mito é o nada que é tudo'”.