Herbert de Jesus Santos (*)
Será que todos pegaram uma “boquinha”, sob nova direção, como digladiaram na carnificina moral estabelecida na campanha à Prefeitura de São Luís /2012? É o que está parecendo, quando observamos a instalação de uma crise intestina no lugar aonde deveria ser erguida a passarela do samba, no Anel Viário, para o tradicional desfile de blocos e escolas de samba, sem uma voz, que não tenha nenhuma mácula ou suspeição de algum deslize, em defesa às manifestações emblemáticas da Cultura Popular Maranhense.
Começou, há pouco, quando a Fundação Cultural do Município (Func) bateu o martelo por que só viabilizaria a arquibancada “peidada” de Belém, onde há muito tempo, construíram a passarela fixa de concreto para as suas agremiações, notadamente, as escolas de samba. Do lado onde há mais caciques do que índios, isto é, mais diretores, ou donos (até ditos empresários na lucrativa pele de produtores e promotores culturais), do que sambistas de corpo e alma e ao pé da letra, endureceram a polêmica, querendo, além do espaço preparado para o concurso, o cachê, pela passagem, e, entre amuos e beicinhos, não saíram nem mel nem cabaça.
Assim, dois caras-pálidas, qual Antônio Carlos (sem sobrenome nem da Silva), no Dr. Peta do Jornal Pequeno dominical, surgiram com o mesmo discurso fajuto e de um passadismo frágil de que as nossas escolas de samba são a cópia ridícula das cariocas, e que já fizemos o terceiro melhor carnaval do Brasil, e olvidando que aquelas nossas permanecem preciosidades que precisam de preservação, ajudando ainda na circulação de renda. Essa falação tem similar no estofo infeliz de Godão, com o sócio Bulcão (dos insaciáveis Bicho-Terra, Boi Barrica, etc.), ex-titular da Secma, que deixaram santuários da nossa cultura, quanto o Teatro Artur Azevedo e a Biblioteca Benedito Leite, literalmente, “na merda”, até que o poeta e prosador Joaquim Itapary, da Academia Maranhense Letras, publicou, n´O Estado do Maranhão, A Diarréia do Beija-Flor, respingando a fedentina no Rio, com os R$ 10 milhões da Secma para a Escola de Samba Beija-Flor fazer uma medíocre homenagem aos 400 Anos de São Luís. Exalaram muitas bostas com 10 milhões, inclusive o pior samba-de-enredo em Nilópolis, na lambança de arrumarem uma vaquinha para a sua ala de compositores, em desprezo a artistas maranhenses, que compuseram trabalho muito melhor, no concurso. Conheço-os de cor e salteado: ousaram exterminar a Turma do Quinto, em 2000, e eu, nos meios de comunicação, levantei a comunidade da Madre de Deus, com outros abnegados, e não permitimos a petulância, quando passaram a perseguir-me, nas trevas, longe do preto no branco; não quiseram ajudar, na Secma, a Festa de São Pedro, porque meus parentes eram da comissão organizadora, até que fui queixar-me ao bispo; como tomei as dores da Via-Sacra do Anjo da Guarda. Amigo foi o ex-deputado Expedito Moraes, que, atendendo, a um requerimento meu, restaurou boa parte da sede (deteriorada) da Turma do Quinto, numa vez. E Bulcão, por essas e outras, rebaixado de secretário de Estado para candidato a vereador, em 2012, foi rejeitado até fora da suplência, pelo sufrágio popular.
Esse outro desafeto da nossa herança cultural (Antônio Carlos), não conhece tampouco a geografia da Cidade, pois não vê que, sem movimento na passarela do samba, da Func, o circuito da Secma será um barril de pólvora. Só se, ignorante mesmo, não percebeu que transferimos o desfile da Praça Deodoro, em 1989, pela primeira vez, no Anel Viário, por este ser mais espaçoso, e desde aí (comunicadores e carnavalescos sérios) pugnamos pela passarela do samba com arquibancada permanente, em nossa maquete, servindo para seções de educação e saúde, locais para reverenciarmos os nosso sambistas legendários, e barracões para as escolas de samba, que não penariam com o traslado das alegorias. Aí, sim, valeria a pena uma propaganda forte, por termos o que o turista apreciar, com conforto, no período. Lamentavelmente, hoje, a União das Escolas de Samba mostra-se menos aguerrida que a velha guarda de Benedito Dutra, que, aos trancos, sempre fez carnaval de passarela.
O círculo vicioso do pires nas mãos— Os nossos grupos carnavalescos cometem o vício de esticar o pires para a politicagem, dos velhos aos novos, que nem a Unidos de Ribamar, para quem consegui, em 2005, “o faz-me rir” da Secma, para desfilar em São Luís, com o então secretário Francisco Padilha, e ali agiram cedo “no venha a nós” mais fácil. Somente a Favela do Samba, no Sacavém, trabalha mais e faz rodas de samba, com vendagem de cerveja, porém nenhuma promoção de vulto. Poucos blocos se viram, como Os Tremendões da Camboa, em junho, angariando recursos com O Encontro de Gigantes (cantadores de Boi da Ilha). No apogeu do Quinto e da Flor, nos anos de 1980, suas quadras eram lotadas.
A religião da mente parada, oficina do Diabo! — Estranhamos, por outro lado, a pressa para não haver a folia de passarela do samba, no instante em que o chefe da Municipalídade é da igreja evangélica, onde os mais radicais (que fazem da crença o ópio do povo) vêem miragens satânicas fora da sua religião, como nas venerandas de culto afro, Casa das Minas (de voduns) e de Nagô (de orixás), onde, domingo (20), Dia de São Sebastião, filhas-de-santo guardaram seus guias, mesmo fora da cultura, presentemente, do Palácio de La Ravardière. Sabemos que saúde, educação, habitação, passadio são prioridades, mas que cultura (a alma do povo), também, é essencial: a cultura (intelectual e folclórica) é o maior baluarte de um povo, enquanto cria massa conscienciosa para discernimento e preferência coletiva de identidade.
Aonde andam, com a nossa resistência, Joel Florzinha e Eugênio Araújo? Até ontem, fiquei aguardando que o jornalista Joel Jacinto renunciasse à presidência da comissão organizadora do carnaval da Func, por ser um dos mais ferrenhos defensores da festa da passarela samba, há décadas. Nerusca! Segundo Brasa Santana, um nome do núcleo dos blocos tradicionais, que encontrei na Praia Grande, sexta-feira, ele sumiu do mapa, sem dar o da sua graça, nem nas rádios, “o que adora”, como não atende ao poeta aqui ao celular. No resumo da ópera, só podemos contar com os títulos de Eugênio Araújo, com doutorado até em escolas de samba nativas, e bom de réplica na Imprensa. Ou não mais, conforme argüiria o vacilante, contudo, musicalmente, brilhante, Caetano Veloso?!
As linhas tortas do genocídio cultural, no andar à Carlitos — Na noitinha da sexta-feira, a Secma encetou o cortejo das entidades carnavalescas, com saída da Praça Deodoro ao Reviver. Na Praça, que foi para nosso orgulho, do Panteon, analisei com o cantor e compositor Luís Carlos Guerreiro o impasse. Lembramos que, em 1997, o Marafolia, com apoio da Func, tentou destruir as escolas de samba, numa reunião na Flor, no Desterro, pretendo levá-las para a Litorânea, com a fixação, na passarela do samba, de blocos de reggae e do carnaval baiano, que dariam lucros exorbitantes para os piratas alienígenas e os coiteiros indígenas. Botamos, moralmente, para correr, os agenciadores da proposta indecente. “Seria um genocídio cultural”! — Guerreiro desabafou, no ato, escrevendo, ao contrário de Deus, o torto por linhas certas. A Func não fez nada pela nossa gente; nos tiraram a mídia; porém, conseguimos uma arquibancada e um som mixurucas; as brincadeiras vieram da melhor maneira possível; e o povo não faltou, como sempre.
Fomos tomar satisfação com Fernando Sarney, acusado de planejar a trama, e que se avizinhava dali, e, na hora H, os amigos da onça, com medo de represálias do todo-poderoso terreno, deixaram-me falando para um “iceberg”, quando olhei pra trás, e só vi mesmo Guerreiro, que se distanciava, como na Praça do Panteon, depois de despedir-se de mim, gingando, qual um mestre-sala, sem porta-bandeira, e um pouco à Carlitos, do, igualmente, imortal Charles Chaplin, em direção do ônibus para o seu BF.
(*) jornalista e escritor, compositor, carnavalesco, ex-dirigente da Turma do Quinto e da União das Escolas de Samba