02/12/2024

Alcione põe show ‘Tijolo por tijolo’ de pé com a argamassa com que construiu sólida carreira

Por Mauro FerreiraJornalista carioca que escreve sobre música desde 1987, com passagens em ‘O Globo’ e ‘Bizz’. Faz um guia para todas as tribos

“Boa noite, Brasil”. A saudação de Alcione ao pisar no palco da casa Vivo Rio na noite de sábado, 15 de agosto, foi a senha para o entendimento do novo normal na indústria do entretenimento musical.

A cantora fez a estreia do show Tijolo por tijolo no Rio de Janeiro (RJ) – cidade que a acolheu em 1968 e na qual a artista maranhense obteve contínuo sucesso nacional a partir de 1975 – mas os seguidores cariocas de Alcione não estavam presencialmente na plateia.

A cantora fez a estreia do show Tijolo por tijolo no Rio de Janeiro (RJ) – cidade que a acolheu em 1968 e na qual a artista maranhense obteve contínuo sucesso nacional a partir de 1975 – mas os seguidores cariocas de Alcione não estavam presencialmente na plateia.

Tudo – cenário, figurino, iluminação, a presença de toda a Banda do Sol, a dimensão do palco da Vivo Rio e até um atraso de 20 minutos – indicava tratar-se de show convencional. A diferença foi a ausência do público nas mesas e camarotes da casa.

Dando passo adiante na história das lives, Alcione pôs de pé o inédito show Tijolo por tijolo – show tradicional de carreira, inspirado pelo homônimo álbum Tijolo por tijolo, lançado pela cantora em 29 de maio – em apresentação virtual, o que deu pleno sentido à saudação da artista ao entrar em cena.

Transmitida ao vivo pela plataforma On Stage para quem comprou o ingresso solidário de R$ 10, a estreia do show Tijolo por tijolo foi programada dentro do projeto Vivo Rio em casa. Sob direção da irmã Solange Nazareth, Alcione ergueu Tijolo por tijolo com a argamassa que vem assentando a popularidade da cantora nos últimos 45 anos.

O show foi criado com visual elegante dentro dos padrões de Alcione. Sem as habituais cores vivas, o figurino da artista combinou com os cabelos atualmente brancos dessa grande cantora, cuja voz fez – como de costume – toda a diferença na apresentação de roteiro de sucessos em que a artista inseriu seis das 14 músicas do álbum Tijolo por tijolo.

Com muitos lampejos dos velhos tempos, essa voz entortou sambas como Rio antigo (Nonato Buzar e Chico Anysio, 1979) e Primo do jazz (Magnu Souza e Nei Lopes, 2005), confirmando que Alcione nunca foi uma cantora qualquer, e ecoou o lamento das cantoras de blues quando a intérprete deu voz àquelas chorosas baladas travestidas de samba de que Alcione e o público dela tanto gostam.

Tanto foi assim que Mulher ideal (Michael Sullivan e Carlos Colla, 2002) venceu o samba Gostoso veneno (Wilson Moreira e Nei Lopes, 1979) na enquete virtual para escolher a música do “bis”, feito após o canto de Não deixe o samba morrer (Edson Conceição e Aloísio Silva, 1975), em tese a última das 28 músicas do roteiro.

Para deleite do público, as principais baladas – ou sambaladas, se houvesse esse termo para designar o gênero musical marcante no repertório de Alcione – da obra da cantora foram devidamente incluídas no roteiro.

A loba (Paulinho Resende e Juninho Penalva, 2001), Além da cama (Michael Sullivan e Carlos Colla, 2001), Estranha loucura (Michael Sullivan e Paulo Massadas, 1987), O pior é que eu gosto (Isolda, 1988) – esta envolvida em cordas sintéticas no arranjo do diretor musical Alexandre Menezes – e Sufoco (Chico da Silva e Antonio José, 1977) se alinharam com o enredo afetivo de Não dá mais (Altay Veloso, 2020), novidade do álbum Tijolo por tijolo que se insinuou no show como possível hit deste disco em que o repertório de Alcione foi enquadrado na moldura do pagode romântico.

Justiça seja feita: na dramaturgia popular dessas canções, Alcione sempre se mostrou à vontade no papel de amante infeliz e por vezes até humilhada, mas geralmente rendida aos caprichos do homem amado.

Na vida real, contudo, a cantora fez questão de contradizer verso do samba O surdo (Totonho e Paulinho Rezende, 1975) – “Pancada de amor dói, sim”, ressaltou, com consciência social – e de discursar contra a violência doméstica praticada contra as mulheres, um dos maiores problemas do Brasil.

Ainda dentro do universo romântico do repertório, mas em níveis melódico e poético (bem) mais altos, Alcione elevou a voz em Autonomia (Cartola, 1977) – em um dos grandes momentos do show pela força do canto e da música– e interpretou os sambas-canção Nunca (Lupicínio Rodrigues, 1952) e Trocando em miúdos (Francis Hime e Chico Buarque, 1977) como homenagens aos cantores Jamelão (1913 – 2008) e Emílio Santiago (1946 – 2013), respectivamente.

Fora do universo das canções de amor, Alcione caiu na swingueira para exaltar o samba em Produto brasileiro (Xande de Pilares, Gilson Bernini e Brasil do Quintal, 2013), proclamou a sentença positivista de Juízo final (Nelson Cavaquinho e Élcio Soares, 1973) e entrou no balanço do reggae de Jamaica a São Luís (Gerude e Ciba Carvalho, 2003) para lembrar que nasceu na capital brasileira do gênero, louvando na sequência o Maranhão com o canto a capella de Se não existisse o sol, tema tradicional do Bumba meu Boi de Maioba, gravado pela cantora no álbum De tudo que eu gosto (2007).

Na primeira apresentação do show Tijolo por tijolo, Alcione recebeu no palco duas convidadas que batalham para se fazerem ouvir neste Brasil de cantoras.

Intérprete de voz potente, Gabby Moura mostrou – ao solar Queda livre (Claudemir e Prateado, 2020) e ao fazer dueto com a anfitriã em Faz uma loucura por mim (Chico Roque e Sérgio Caetano, 2004) – ser discípula de Alcione, para o bem e para o mal. Já Sylvia Nazareth, sobrinha da cantora, fez Café, música autoral que exalou o aroma do pop ralo da atualidade sobre base eletrônica.

Do álbum de músicas inéditas que inspirou o show, Alcione cantou Fascínio (Toninho Geraes e Paulinho Rezende, 2020), o bom samba-título Tijolo por tijolo (Serginho Meriti e Claudemir, 2020), Realeza (Joluis e Alvinho Santos, 2020), Em barco que navega malandro não navega mané (Serginho Meriti e Claudemir, 2020) e O samba ainda é (Serginho Meriti, Ricardo Moraes e Claudemir, 2020), além da já mencionada Não dá mais (Altay Veloso, 2020).

Nem sempre o repertório, tanto o novo como o antigo, esteve no nível do canto sagaz de Alcione. Só que a cantora maranhense, que fará 73 anos em novembro, já é entidade da música brasileira e, ao baixar no palco da casa Vivo Rio, elevou esse repertório de níveis distintos com a voz que sempre a diferenciou no panteão das cantoras do Brasil ao longo de carreira construída com solidez.

Por isso mesmo, para o Brasil identificado com esse canto popular, a noite da estreia do show Tijolo por tijolo foi boa.

Alcione na estreia do show 'Tijolo por tijolo' na casa Vivo Rio — Foto: Reprodução / Vídeo

Alcione na estreia do show ‘Tijolo por tijolo’ na casa Vivo Rio — Foto: Reprodução / Vídeo

♪ Eis, na ordem, as 29 músicas do roteiro seguido em 15 de agosto de 2020 por Alcione na estreia do show Tijolo por tijolo na casa Vivo Rio, na cidade do Rio de Janeiro (RJ):

1. Rio antigo (Como nos velhos tempos) (Nonato Buzar e Chico Anysio, 1979)

2. Primo do jazz (Magnu Souza e Nei Lopes, 2005) /

3. Produto brasileiro (Xande de Pilares, Gilson Bernini e Brasil do Quintal, 2013)

4. Sufoco (Chico da Silva e Antonio José, 1977) /

5. O surdo (Totonho e Paulinho Rezende, 1975)

6. Além da cama (Michael Sullivan e Carlos Colla, 2001)

7. Estranha loucura (Michael Sullivan e Paulo Massadas, 1987)

8. Tijolo por tijolo (Serginho Meriti e Claudemir, 2020)

9. Fascínio (Toninho Geraes e Paulinho Rezende, 2020)

10. Juízo final (Nelson Cavaquinho e Élcio Soares, 1973)

11. Autonomia (Cartola, 1977)

12. Café (Sylvia Nazareth, 2020) – solo de Sylvia Nazareth

13. O pior é que eu gosto (Isolda, 1988)

14. Não dá mais (Altay Veloso, 2020)

15. Em barco que navega malandro não navega mané (Serginho Meriti e Claudemir, 2020)

16. Nunca (Lupicínio Rodrigues, 1952)

17. Trocando em miúdos (Francis Hime e Chico Buarque, 1977)

18. Queda livre (Claudemir e Prateado, 2020) – solo de Gabby Moura

19. Faz uma loucura por mim (Chico Roque e Sérgio Caetano, 2004) – com Gabby Moura

20. Meu ébano (Nenéo e Paulinho Resende, 2005)

21. O samba ainda é (Serginho Meriti, Ricardo Moraes e Claudemir, 2020)

22. Realeza (Joluis e Alvinho Santos, 2020)

23. Entidade (Altay Veloso, 1997)

24. A loba (Paulinho Resende e Juninho Penalva, 2001)

25. Jamaica a São Luís (Gerude e Ciba Carvalho, 2003)

26. Se não existisse o sol (tema tradicional do Bumba Meu Boi da Maioba)

27. Você me vira a cabeça (Me tira do sério) (Chico Roque e Paulo Sérgio Valle, 2001)

28. Não deixe o samba morrer (Edson Conceição e Aloísio Silva, 1975)

29. Mulher ideal (Michael Sullivan e Carlos Colla, 2002)

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