25/01/2025

Gênios para além da vida

NATALINO SALGADO FILHO *02/10/2021

Esta semana uma efeméride importante é registrada para todos os que apreciam a pintura como uma das melhores expressões artísticas. Trata-se dos 450 anos do gênio Michelangelo Merisi, conhecido como Caravaggio, nascido em Lombardia, cidade do interior da Itália, precisamente em 29 de setembro de 1571.Viveu apenas 38 anos e catapultou seu nome para a história como aquele que tinha o dom de transportar para as telas diversos mitos, lendas e narrativas bíblicas com detalhes expressivos e até antecipatórios do mover que o cinema veio proporcionar.

O governo italiano, em homenagem ao artista, cunhou uma moeda de ouro comemorativa e o Vaticano também anunciou a emissão de uma moeda de prata – em formato retangular – com valor de 25 euros. Para colecionadores, um objeto de inestimável valor: em um dos lados da moeda, é possível apreciar a reprodução de “O Sepultamento de Cristo”, cujo original se encontra exposto na Pinacoteca Vaticana, em Roma, pintado entre 1602 e 1604.

Não bastasse isso, a tecnologia existente neste 2021 permite aos fãs do mundo inteiro apreciar as obras desse importante italiano na galeria virtual Haltadefinizione (https://www.haltadefinizione.com/),de uma maneira surpreendente. Ao acessar, por exemplo, a tela “O sacrifício de Isaque”, óleo sobre tela pintado em 1598 – que retrata o drama do patriarca Abraão em imolar seu único filho a pedido do próprio Deus – os detalhes são impressionantes. É possível ampliar em até 40 vezes o tamanho da obra, permitindo ver detalhes antes despercebidos.

Outra obra, o mito do deus grego Bacco, ganhou das mãos de Caravaggio um retrato que apresenta diversas frutas, em pintura datada de 1595. Ao ampliar a imagem por meio da ferramenta, é possível perceber os diversos matizes de cores escolhidos pelo artista para retratar cada um deles, num jogo delicado de luz e sombra.

Aliás, essa díade de claro/escuro marca a trajetória da produção do pintor. A própria temática escolhida para impressão de tinta em tela – que dizia respeito a temas não vistos, apenas contados, ouvidos e imaginados – desvelava aos olhos acostumados ao Renascimento clássico uma nova forma de contemplar o mundo. Instalava-se, de forma sorrateira, o barroco. Contemporâneos de Caravaggio, Cervantes e Shakespeare também revolucionaram a literatura e o teatro. De quando em vez, mentes ousadas surgem, ditam novas regras e rompem com o conhecido.

A reforma protestante avançava na Europa e a igreja católica lançou a contrarreforma, sendo Caravaggio um dos expoentes dessa operação, por meio da retratação dos santos de forma mais identificável ao povo da época, sendo a maioria pessoas pobres e desvalidas. No site que mencionei, é possível conferir as impressões do artista acerca de São João Batista, São Mateus, São Francisco e uma das maiores cenas de conversão registrada nas sagradas escrituras, que é a de São Paulo.

Para além das telas, quem tiver interesse em conhecer um pouco da atribulada e conturbada vida do pintor, preso diversas vezes, acusado de assassinato e de outros atos de violência, vale a pena conferir o filme que leva o nome do artista, que tem direção de Michael Buchanan e produção de Derek Jarman.

Aproveito este espaço para mencionar outra efeméride na Itália, tão fundamental para o mundo: os 700 anos de Dante Alighieri, comemorados neste mesmo setembro. O escritor – morto de malária com apenas 56 anos – tem o mérito de apresentar céu e inferno em assombrosas perspectivas por meio de sua Divina Comédia. Como se vê, Caravaggio e Alighieri são gênios para além da vida.

 

* Médico Nefrologista, Reitor da UFMA, Titular da Academia Nacional de Medicina, Academia de Letras do MA e da Academia Maranhense de Medicina

 

One thought on “Gênios para além da vida

  1. Muito interessante este artigo sobre o genial Michelangelo Amerighi, dito Caravaggio (nome do lugar de seu nascimento, na região da Lombardia) e mestre definitivo do “chiaroscuro”, que, de sua palheta renascentista veio influenciar o neorrealismo no cinema, mais de três séculos depois. Pois bem. Que Caravaggio seja um dos maiores artistas de seu tempo e para sempre, não há a menor dúvida.
    Mas quando leio artigos como este, me vem logo duas reclamações indesculpáveis. Uma do terreno da pinturas, outro do imenso universo da arte.
    Explico. O artigo aqui comentado, escrito em língua portuguesa, cita Cervantes e Shakespeare, como exemplos de talento daqueles tempos maravilhosos.
    Se chamassem, caro Joel, pra copisescar este artigo, o genial romancista espanhol colocaria o nome de Luis de Camões acima do seu. Não sei o que diria Shakespeare sobre o bardo caolho, fundador de nossa língua. Mas num tempo em que Londres era uma província e Lisboa a metrópole (e, para a melhor crítica dos séculos, Camões segue sendo considerado o maior poeta das línguas românicas, com prestígio superior ao de Dante, por exemplo), me entristece este descaso brasileiro com Camões.
    Ariano Suassuna, inclusive, identificou uma frase de Cervantes em que o autor de Dom Quixote fala de sua inveja por Camões, porque este escrevia “em português, a mais bela e sonora de todas as línguas!”
    Só nós, brasileiros, que demos nova sonoridade a língua portuguesa (colocando-a no mais alto pódio dos vernáculos… ou como disse Camões: “com pouca corrução se crê que é latina) é que, sem razão, desprezamos a língua mãe e seu pai Camões (e os avós todos, como Gil Vicente e os outros desde Dom Dinis).
    Bem, se falei do “imenso universo da arte”, pedindo atenção a Luis de Camões, passo agora a me referir a outra indesculpável injustiça, a do terreno da pintura.
    Falo de Artemisia Gentileschi. Nascida quando Caravaggio já além dos 20 anos de idade, está pintura genial foi “escondida” pela história da arte, embora poucos dos que brilham nos museus e livros e narrativas desde quatro séculos se comparam com ela… Então, pra encerrar: não se pode falar de Cervantes e Shakespeare, sem falar de nosso “pai” Camões, nem de nenhum artista da Renascença sem citar a maravilhosa Artemisia Gentileschi… e me desculpe pelo textão, que deve ter ficado meio chato ou talvez enfadonho. Coisa de velho!

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