20/03/2025

Mimosos com muitas histórias para contar Bebendo na fonte do Brinquedo

Após o pai da manada, nasceram, em 1868, os bois de matraca e de zabumba

Quem já assuntou e botou reparo, fala de cadeira que os bumba-bois, como os de matraca, ou sotaque da Ilha, e os de zabumba, ou sotaque de Guimarães, de onde são originados, não nasceram sequer com o  guarda-roupa que ostentam hoje, pois derivaram de um que ocorria, no Estado, diferenciando, um pouco, aqui e acolá, só na indumentária e dança. Sem esse cabedal, é jogar conversa fora da bacia, quanto achar que o São Marçal, no João Paulo, é mais antigo que São Pedro, na Madre de Deus.

Um só tipo: o boi primordial  até 1860 — Quem beber na fonte dos jornais do séc. 19, na Biblioteca Pública Benedito Leite, verificará que, até 1860, não existia boi de matraca nem de zabumba, ou outro estilo que conhecemos. Era o boi primordial, o pai da manada. Eram semelhantes em todas as regiões.  Seria impossível mesmo que o Boi nascesse, entre nós, de uma vez, com: matraca, ou Sotaque da Ilha (fixados em São Luís, depois em Icatu, Paço do Lumiar, Ribamar, etc.), zabumba, ou de Guimarães, costa-de-mão, ou de Cururupu, da Baixada (Pindaré, Viana, Penalva, São João Batista, etc.). Os brinquedos de orquestra só nos meados do séc.20: de Rosário, Axixá, Morros, Primeira Cruz, Humberto de Campos, Presidente Juscelino, Santa Rita, etc.

Matraca e caboclo-de-pena na Ilha:  no jornal de 1868 – Com a proibição pela sociedade escravocrata, em 1861, os bois só retornaram no São João de 1868. Seu defensor, o jornalista João Domingos Pereira do Sacramento, em sua crônica no Semanário Maranhense, de 12.7.1868, assim abraçou, em São Luís, a chegada da matraca e do caboclo-de-pena ou real, no Boi, caracterizando, assim, o grupo indígena: “Introduziram na folgança do Boi, no São João deste ano, repinicados de matraca, no lugar de palmas com as mãos, e uns gritos que arrepiaram minha carne, como nunca se viu antes nas figuras do bumba”! Ali mesmo, criticou autoridades repressoras e abraçou a novidade: “Antes tarde do que nunca! Melhor com essa zoada toda do que o Maranhão passar sem o bumba, como foi de 1861 a 1867!”

Zabumba e tambor-de-fogo em Guimarães — Conforme o poeta e pesquisador Américo Azevedo Neto, na sua obra Bumba-meu-boi no Maranhão, no mesmo ano do surgimento das matracas e caboclos reais, nos Bois da Ilha (1868), precisamente, no povoado Jacarequara, então pertencente a Guimarães, Gregório Malheiros substituiu por zabumbas e tambores-de-fogo os pandeiros idênticos aos dos bois de matraca. A seguir, Damásio (há, em Guimarães, uma localidade e um boi com esse nome), com os novos instrumentos, aprimorou o sotaque, criando, dessa forma, o grupo africano, com sua vestimenta cintilante.

Mãe Catirina e Pai Francisco bicentenários – Suas personagens centrais nasceram com a diversão: o “miolo” (quem dança sob a armação do boi), cantador, doutor, Pai Francisco e Mãe Catarina, que o povo  popularizou Catirina, aliás, básicos no auto da matança, representada pela toada Urrou. Eternizaram-se no Semanário Maranhense, de 12.7.1868, no texto assinado pelo entusiasta Sacramento: “Não encontrei na folgança deste ano de 1868 a graça da antiga tagarelice desconchavada do doutor Pisa-Macio, do aparvalhado ridículo Pai Francisco, nem nos requebros da Mãe Catarina”. Considerou que os caricatos, que ressurgiriam em outros junhos, tiveram seu retraimento ocasionado pelos sete anos em que o Boi ficou proibido: “Podemos justificar isso, na falta do uso de brincar. Se a memória não falha ao cronista, na última vez que o Boi brincou foi na chefatura policial do Dr. Manuel Faria, e voltou, agora, em 1868, na do Dr. Morato.”

Notícia do brinquedo, no raiar do séc. 19 — Os escravagistas nunca compuseram vida mansa ao Boi, intolerância de antes do surgimento da Imprensa, no Maranhão, com O Conciliador (15.4.1821). No seu título Mídia e Experiência Estética na Cultura Popular, a jornalista, professora, mestra e doutora o Curso de Comunicação da UFMA e antiga vaqueira campeadora do Boi (de orquestra) de Morros, Esther Marques confirmou: “O Boi aparece diante dos periódicos como um folguedo agressivo, barulhento e agitador da ordem e da moral. Mas, principalmente, uma brincadeira de negros, passível de punições e proibições, desde 1814, pela polícia”. E seria assim —como o redator aqui analisou—, até que o império precisasse da negrada, na Guerra do Paraguai (1864-70), dando uma folga na perseguição. Ficou na cara, a volta do brinquedo, qual um prêmio de consolação aos negros, que lutaram no conflito e que, com os brancos pobres, vadiavam no bumba, em junho.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.