06/10/2024

410 Anos de São Luís, uma festa para poucos

Por Luiz Eduardo Neves dos Santos (*)

Toda vez que se aproxima a data que marca o aniversário de São Luís, o 8 de setembro, uma enxurrada de reportagens, livros e textos são relembrados e também produzidos na mídia local, a maioria em tom ufanista, no melhor estilo Afonso Celso. Muitos dos escritos que vangloriam São Luís derivam de letrados e intelectuais das chamadas confrarias, grupos de acadêmicos que não param de crescer nestas bandas, e servem, dentre outras coisas, para o envaidecimento mútuo, os autoelogios, as condecorações e honrarias entre seus próprios membros.

Esta tônica serve para o tratamento dado à São Luís, com o eterno retorno a seu ilustre passado de glórias, posicionamento tantas vezes desprovido da crítica e da ironia, no que o historiador Flávio Reis chamou de “insossa cultura do elogio”. Por isso, é necessário contrapor e contestar o que já está impregnado no imaginário coletivo de toda uma população, expressões como “Atenas brasileira”, “Ilha do amor”, “Cidade dos azulejos”, “Patrimônio da humanidade”, “única capital brasileira fundada por franceses” reforçam o ideário ufano-saudosista e camuflam uma São Luís desigual e segregada.

O que comemorar então nestes 410 anos de São Luís? Quem comemora e quem participa desta festa? Na paisagem da cidade se multiplica pessoas nos sinais de trânsito com pedaços de papelão e placas nas mãos pedindo comida; em grandes avenidas dá para sentir o mau cheiro do esgoto que emana das galerias subterrâneas; as páginas policiais dos jornais locais estão sempre jorrando sangue; e a poluição hídrica e atmosférica destruiu os rios, sujou o mar e afeta diariamente a saúde de milhares no entorno das indústrias pesadas.

A aniversariante é uma cidade bastante fragmentada espacialmente, em que diferentes classes sociais – delimitadas principalmente por renda, raça e gênero – se distribuem em territórios muito bem definidos. Destarte, esta fragmentação congrega, num extremo, territórios de condomínios fechados na “Península”, no Renascença e no Calhau, enclaves fortificados em lugares onde a rua é apenas lugar de passagem, que margeia os muros altos e eletrificados e dá acesso aos portões automáticos das propriedades. De outro lado, abrange uma infinidade de casebres, palafitas, casas de taipa e as pequenas moradias de um ou dois cômodos nos territórios da exclusão e dos aglomerados subnormais, que somam mais de 100 mil habitações na cidade, espalhadas, dentre outras, na Ilhinha, no Jaracaty, na Cidade Olímpica e na Fé em Deus, um todo socioespacial com características específicas, próprias da cidade informal, com suas regras e normas de convivência e sobrevivência, já que a presença do poder público ali é residual.

A periferia de São Luís é um mundo, sua zona rural também, seus habitantes não podem participar da sua festa de aniversário, não podem gozar da cidadania, o poder público não se esforça o bastante para lhes proporcionar qualidade de vida e inclusão como sujeitos ativos na produção da cidade; cidade esta que é feita por e para os donos do poder econômico e político, para as famílias que têm  vários carros em suas garagens, para os grupos que se refugiam nos shoppings centers e para os que olham o mar através de suas varandas.

Estes sim podem comemorar, são grupos que incluem aqueles que estão dentro das casas legislativas sem fazer nada de útil para a população, estão ainda nos Palácios da Dom Pedro II, alguns podem ser encontrados nos Empórios da Fribal, em algum restaurante requintado ou em alguma Casa de Vinhos das áreas nobres ludovicense, outros podem ser vistos entrando em seus escritórios para participar de reuniões secretas, carregando malas suspeitas, ora fazendo lobbys, ora planejando como faturar o vil metal. Muitos se encontram atualmente em comitês, outdoors, em santinhos, nos para-brisas de carros, nas redes sociais com filtros reluzentes e nas propagandas eleitorais da TV pedindo voto, dizem que vão mudar a realidade das pessoas, no entanto, pretendem apenas continuar a exercer seus “podres poderes”, por isso, em toda eleição, em todo aniversário da cidade, a festa para a maioria é efêmera, regada a shows e atrações das boas, mas para um seleto grupo, a comemoração dura bastante tempo, tudo à custa da exploração do trabalho, da retórica de geração de empregos, da instauração dos ajustes espaciais, da guerra de lugares, da destruição ambiental, da poluição das praias, da fome, do assassinato de indígenas, quilombolas e camponeses, do racismo ambiental e da espoliação de moradores de suas casas, como já ocorreu na comunidade Cajueiro, e em muitas outras localidades de São Luís.

Evidentemente que há motivos para enaltecer São Luís, sua cultura, sua gente, mas não se pode esquecer de denunciar as mazelas e as contradições que ocorrem em seu território, algo acintosamente omitido por muitos, – inclusive por gente dentro da própria universidade – que se utilizam do discurso fácil e engessado sobre uma cidade que não existe concretamente e acumula graves problemáticas estruturais. A festa que se deseja para São Luís é a da gestão democrática e das vivências urbanas, em que a população tenha direito à participação nas decisões em suas comunidades, de forma que os grupos se sintam incluídos, tenham acesso a direitos básicos, como saneamento, água encanada, transporte público, serviços de saúde e educação gratuita e de qualidade e moradias dignas, estes sim, motivos para uma comemoração autêntica, a da cidadania ativa.

(*) Geógrafo, Doutor em Geografia e Professor Adjunto do Curso de Licenciatura em Ciências Humanas da Universidade Federal do Maranhão, UFMA, Campus Pinheiro.

Com informações do : BLOG DO EDWILSON ARAUJO

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.