2019 está indo embora, em contrapartida inicia-se uma nova era, um novo tempo e as esperanças se recarregam com um futuro promissor – esse pelo menos é o nosso sonho embebido de quimeras infinitas por dias melhores, por relacionamentos melhores e por vivermos em uma sociedade mais justa, mais igualitárias, e, sobretudo, mais humana. Para nós que atuamos em um campo de extrema necessidade para afagar os espíritos – o campo da cultura – sempre estamos a esperar a consumação dessas metas, pois cabe-nos vier sobre a égide da paz e da felicidade.
Desse modo, estamos sempre atentos aos anseios da sociedade. Eu, particularmente, fico muito atento às ações dos gestores públicos de nossa terra, por isso, nosso foco é analisar aquilo que considero(mos) coerente com a realidade em que se vive. Com isso procuro refletir o que se passa com os organizadores, praticantes e apreciadores das nossas manifestações culturais, afinal o Maranhão e a cidade de São Luís possui a maior diversidade cultural do nosso pais e nem sempre a política pública desenvolve práticas que contemple a todos de forma laica.
Há interesses ideológicos, religiosos, econômicos, turísticos, culturais e humanos nas relações que envolvem as manifestações do campo cultural, pois todas elas, como afirma o sociólogo inglês Hoggart, as atividades culturais são consideradas “Imponderáveis da vida autêntica”, ou seja, são reflexos das práticas, das rotinas, dos acontecimentos desenvolvidas no cotidiano de cada localidade, de cada região e de cada extrato social, portanto são multifacetada, fatores que fortalecem as relações individuais e coletivas da sociedade a partir de suas complexidades.
Segundo o investigador Jean Henrique Costa, no artigo “Os estudos culturais em debate: um convite às obras de Richard Hoggart, Raymond Williams & E. P. Thompson” na contramão dessa superestimação, Hoggart critica substancialmente determinada tendência intelectual em tratar as classes operárias ora através de um sentimento compadecido (devido à exploração capitalista), ora por meio de certa nostalgia (marcas de reminiscências do bom selvagem). Para o autor, em ambas as atitudes reside um sentimento semiapiedado, semiprotetor.
Afirma ainda Costa em seu artigo, que “desfavorável a essa visão, evita abordar a classe trabalhadora de forma homogênea, já que ‘o caráter extensivo, múltiplo e infinitamente pormenorizado da vida das classes proletárias’ não permite essa homogeneização social (HOGGART, 1973a, p. 20)”. Diz o investigador Costa que há, logo, um ‘grande número de diferenças, as sutis tonalidades, as distinções de classe, que se manifestam no interior do próprio proletariado’ (HOGGART, 1973a, p. 26)”. Tais diferenças de classe demonstram o quanto perigoso podem ser as generalizações do tipo: as classes populares são facilmente influenciáveis! Reforçando com Canclini (2003, p. 207), parte da atual crise teórica vigente na ‘investigação do popular deriva da atribuição indiscriminada dessa noção a sujeitos sociais formados em processos diferentes’.
Destacado esses pontos sinalizados pelos teóricos dos estudos culturais e sociais, fixemo-nos nas contradições locais, quando a maioria dos grupos das manifestações populares ludovicenses vivem constante conflito de sobrevivência ou deixar-se morrer, ou como queiram, acabar por finalizar suas atividades, por pura e absoluta falta de sensibilidade dos atuais gestores públicos, que insistem em negar e não ver a importância da prática cultural de nosso território para fortalecer nossa condição identitária.
Assim, resta-nos questionar onde vamos parar? Será que todos nós acabaremos no submundo do esquecimento, ou nos cemitérios do saudosismo, ou nas memórias de velhos, ou nas esquinas solitárias e fedorentas dos guetos periféricos? Eis a questão. Nossa gente, por mais sofrida e esperançosa que seja, é persistente, é resistente, e não vai ser as ações promiscuas de uns poucos que vão sucumbir os grupos molambentos de um povo que saber superar-se nos meios das adversidades. É fato, de que a afirmação “Juntos somos fortes”, por isso mesmo, o conjunto das organizadores, praticantes e apreciadores da cultura popular maranhense saberá dar a volta por cima e impor-se como prática identitária de um povo que sabe superar-se e impor-se enquanto agentes sociais e culturais ativos e totalmente congruente com seu “status quo”.
Que 2020 traga mais alegrias, esperanças, atitudes e gestos mais afagadores e produtivos para a cadeia produtiva da cultura maranhense, onde os atores desse campo possam se sentir contemplados e valorizados o suficiente para viver em um outro astral de quimeras e sonhos tão profundamente perseguidos e procurados.
(*) Euclides Moreira Neto – Professor Mestre em Comunicação Social e Investigador Cultural.
Referencia:
COSTA, Jean Henrique. Os estudos culturais em debate: um convite às obras de Richard Hoggart, Raymond Williams & E. P. Thompson in Acta Scientiarum. Human and Social Sciences Maringá, v. 34, n. 2, p. 159-168, July-Dec., 2012
CANCLINI, N. G. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. Tradução de Ana Regina Lessa e Heloísa Pezza Cintrão. 4. ed. São Paulo: Edusp, 2003.