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Além do humor, o que percebi de melhor em Oswald de Andrade foi frescor da linguagem
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CREIO QUE foi em 1953 que eu, ao entrar na livraria da editora José Olympio, então na rua do Ouvidor, deparei-me, sobre um balcão, com vários exemplares do livro “Serafim Ponte Grande”, de Oswald de Andrade, a preço de liquidação.
Eu, que o conhecia de nome de uns raros poemas, comprei um exemplar e, naquele mesmo dia, o li dando gargalhadas. É certo que sempre tive simpatia pelos irreverentes, talvez porque da irreverência resulte uma ruptura com a mesmice.
Essa releitura foi para mim uma revelação. Oswald ainda estava vivo, mas quase ninguém tomava conhecimento de sua literatura. Agora ele acaba de ser homenageado pela Festa Literária de Paraty.
Naquela semana mesmo, na casa de Mário Pedrosa, falei de Oswald, da boa surpresa que tive ao lê-lo. Mário sorria satisfeito, admirador que era da literatura de Oswald e de seu espírito irreverente.
Contou-me algumas histórias engraçadas que sabia dele. Pegou da estante um exemplar de “Pau Brasil”. Era a primeira edição, com a bandeira brasileira desenhada na capa. “Você vai gostar”, disse-me ele, ao me entregar o livro. E na verdade o li com prazer e surpresa, encantado com a maneira jovem que ele tinha de dizer as coisas.
Além do humor, o que percebi de melhor em sua literatura foi o frescor da linguagem, diferente da de outros poetas brasileiros modernos, mesmo os que vieram depois dele:
“Para dizerem milho dizem mio
Para melhor dizem mió
Para pior pió
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados.”
Falei do livro com Oliveira Bastos, então jovem crítico literário, que também decidiu voltar-se para Oswald de Andrade. E se tornou seu amigo. Naquele mesmo ano, estava eu em casa de Amelinha, minha namorada na época, no dia em que completava 23 anos de idade, quando toca a campainha da porta e surge um homem grande, de olhos verdes enormes, em mangas de camisa. Não acreditei no que via: ali estava Oswald de Andrade, que me abraçou e disse que vinha me cumprimentar pelo meu aniversário.
Com ele, rindo de meu espanto, entrou Bastos, que tramara tudo e lhe tinha levado uma cópia de “A Luta Corporal”, ainda inédito. Isso ouvi do próprio Oswald, que afirmou, exagerado como era: “Com você, renasce a poesia brasileira”.
E, como se não bastasse, acrescentou que ia dar um curso de literatura brasileira na Itália e a última aula seria sobre minha poesia. Melhor presente de aniversário não podia haver. Ele me deu então um livro com suas peças “A Morta” e “O Rei da Vela”, editado já havia algum tempo, que guardo comigo até hoje.
O Réveillon daquele ano passamos os três -Bastos, Amelinha e eu- na sua casa em São Paulo, em companhia dele e Maria Antonieta d’Alkmin, sua mulher e musa. Já estava doente e trazia uma pequena medalha de Nossa Senhora, presa à blusa do pijama. Mas ele não é ateu?, perguntei a mim mesmo, achando graça. Em outubro daquele ano, morreria. Escrevi, então, um poema, que terminava assim: “Fez sol o dia todo em Ipanema. / Oswald de Andrade ajudou o crepúsculo, hoje, dia 24 de outubro de 1954”.
Naquele ano, eu havia publicado “A Luta Corporal”, em cujos poemas finais desintegrava a linguagem, o que chamou a atenção de três jovens poetas paulistas -Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari-, que me procuraram.
Augusto veio encontrar-me, no Rio, quando conversamos sobre as questões que ele levantou acerca da poesia brasileira. Foi num almoço na Spaghettilândia, na Cinelândia.
Falou-me do propósito do grupo deles de renovar a poesia brasileira e foi por essa razão que me procuraram, já que meu livro rompia com “a poesia sentada”, na expressão deles. E então citou os poetas brasileiros que, no seu entender, representavam um caminho para a renovação: Mário, Drummond, Cabral. Oswald de Andrade estava fora.
Estranhei e ele então respondeu que não se podia levá-lo a sério, por considerá-lo um irresponsável. Respondi que, irresponsável ou não, sua poesia era inovadora, sua linguagem tinha um gosto de folha verde. Ele ficou de relê-lo e da releitura que fizeram resultou a redescoberta de Oswald de Andrade. Por tudo isso, fiquei feliz ao vê-lo homenageado agora pela Flip 2011.
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